O Supremo Tribunal Federal acaba de dar mais uma demonstração de seu talento peculiar: o de transformar leis aprovadas pelo Congresso em letra morta
O Supremo Tribunal Federal acaba de dar mais uma demonstração de seu talento peculiar: o de transformar leis aprovadas pelo Congresso em letra morta.
Desta vez, o alvo foi a reforma trabalhista de 2017 — aquela que ousou colocar um pouco de racionalidade num sistema judicial acostumado a premiar a aventura.
O que estava em jogo era simples: quem entra com ação trabalhista, perde, e não prova pobreza, paga a conta. Regra elementar de civilidade processual, presente em qualquer Justiça minimamente séria do planeta. Foi ela que reduziu de forma drástica a enxurrada de processos baseados em teses fantasiosas, aqueles “vai que cola” que entulhavam os tribunais.
Mas o STF decidiu reabrir as comportas. Em nome de um “amplo acesso à Justiça” — que, na prática, se traduz em amplo acesso a aventuras jurídicas sem custo —, a Corte declarou inconstitucional o artigo que obrigava o reclamante derrotado a arcar com honorários. Resultado: o número de ações voltou a disparar, rumo aos picos pré-reforma.
Os números falam por si. De 2,7 milhões de processos em 2016, caímos para 1,4 milhão em 2020, o piso histórico. Agora, já somamos 1,150 milhão só no primeiro semestre de 2025, com previsão de fechar o ano em 2,3 milhões. A fila de litígios voltou a se estender como aquelas serpentes de papel higiênico lançadas no carnaval: coloridas, animadas e absolutamente inúteis.
A reforma trabalhista havia provado seu valor. Trouxe oxigênio às relações de trabalho, mais segurança jurídica para empregadores e, segundo estudo de USP e Insper, gerou 1,7 milhão de empregos nos primeiros cinco anos. Um raro exemplo de boa política pública no Brasil. Agora, com um canetão pretensamente iluminado, o Supremo vai desfazendo os alicerces dessa conquista.
O sarcasmo da história é que, enquanto se repete o mantra do “acesso à Justiça”, o que realmente se garante é o acesso irrestrito ao congestionamento da Justiça. E quando tudo é causa, nada é causa.
O STF, nesse movimento, não apenas atropela o Legislativo — ele reabre a temporada de aventuras judiciais, devolvendo ao palco um espetáculo já visto: o litígio como loteria.