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INÍCIO AGRICULTURA Geral Publicado em 23/09/2024

ARMAZÉNS: PLANO SAFRA NÃO CUMPRE EXPECTATIVAS

Em entrevista exclusiva ao portal RuralNews, Paulo Bertolini, presidente da câmara setorial de equipamentos para armazenagem de grãos (CSEAG), da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) afirmou que, apesar de vir com mais recursos do que o Plano Safra anterior, os recursos para o ano 2024/25 não satisfazem as necessidades do mercado
Redação RuralNews

RURAL MGZN - Paulo, como a Abimaq avalia os recursos para armazenagem disponibilizados pelo Plano Safra 2024/25?

PAULO BERTOLINI - Olha, Ele vem com mais recursos em relação ao Plano Safra passado. Mas nós devemos analisar separadamente o PCA (Plano de Aceleração da Armazenagem), que é a linha específica para a construção de armazéns. Ele está dividido em duas partes. A primeira beneficia produtores de até 6.000 toneladas, ou 110 mil sacas. O outro é aberto para grãos, mas não é específico somente para construção de armazéns. Ambos tem recursos de 7.8 bilhões de reais. Nessas duas linhas há a possibilidade de entrar produtores, pessoas fisicas ou jurídicas, cooperativas e empresas com foco em investimento em armazenagem. O Brasil tem hoje um déficit de 120 milhões de toneladas, que tem sido crescente nos ultimos anos e décadas. Para se ter uma idéia, todo ano esse déficit aumenta em 5 milhões de toneladas… Ou seja: a linha de crédito disponível hoje não acompanha aquilo que o Brasil cresce anualmente, pois a produção tem crescido em torno de 10 mlhões de toneladas por ano e a armazenagem cresce somente metade disso.

RURAL MGZN - E de quem é a culpa dessa situação?

PAULO BERTOLINI - Eu garanto que não é da indústria de armazenagem. Hoje nossas plantas industriais tem capacidade técnicas, do ponto de vista do chão de fábrica, de atender a toda a demanda. Inclusive, hoje a indústria brasileira exporta para mais de 40 países. O que falta é linha de crédito para o produtor rural investir na construção de armazéns, principalmente dentro das fazendas. Hoje apenas 15% da capacidade de armazenagem está dentro da porteira, enquanto os outros 85% está fora dela, nas cidades, distritos industriais e portos. Isso faz com que tenhamos um tráfego intenso de caminhões transportando produtos úmidos e ainda com impurezas. E o que é pior: todos ao mesmo tempo, pois várias regiões do Brasil colhem simultaneamente. Então, isso tudo aumenta as filas nas estruturas portuárias, aumenta o custo do agricultor, reduz a disponiblidade de produto para quem tem que industrializar por falta de armazenagem. É um processo de "perde-perde".

RURAL MGZN - E que temos que fazer para reverter isso?

PAULO BERTOLINI - Precisamos virar esse disco para um processo de "ganha-ganha", pois quando se tem armazenagem todo mundo ganha. O agricultor ganha porque reduz custos, aumenta seu poder de negociação e otimiza sua logistica no momento da colheita; a indústria ganha por que tem onde buscar essa produção lá no campo; o país tem como abastecer sua própria indústria durante um período grande e a desobriga a fazer investimentos em armazenagem; a sociedade também ganha, por que um produto secado e armazenado em condições adequadas garante a segurança alimentar e a sua qualidade ao longo do ano todo. E não é só a sociedade brasileira que ganha. Ganham também outras 850 milhões de pessoas no mundo à fora que dependem da nossa produção. Então, a solução para isso é investimento. Precisamos investir 15 milhões em armazenagem simplesmente para acompanhar o crescimento da agricultura brasileira de grãos. Este ano, por exemplo, a gente está investindo através do PCA, considerando que todo recurso vá para grãos, metade de todo o volume que precisaria investir para acompanhar o crescimento e a dinâmica da agricultura brasileira. Certamente no ano que vem veremos novamente um déficit crescente. E se o clima ajudar, teremos uma boa safra, uma safra cheia e isso vai agravar ainda mais o problema da falta de armazéns.

RURAL MGZN - Como se converte esse jogo no "ganha-ganha"?

PAULO BERTOLINI - Falta dinheiro na linha PCA. O Plano Safra que foi 2024/25, que tem cerca de 400 a 500 bilhões não vem do Governo, mas vem da sociedade. O que interessa mesmo para o setor é o valor da subvenção, aquilo que o tesouro, a sociedade brasileira vai aplicar na agricultura. E é em toda agricultura, não só na empresarial, mas principalmente na chamada agricultura familiar, que está dentro desse valor global. Então, o Brasil destinou apenas 16.3 bilhões de reais, valor que se você fizer uma comparação do que a cultura tem possibilidade de capacitação, com o Brasil abrindo mão de impostos, é maior do que todo Plano Safra brasileiro. O setor precisa de 16.7 bilhões de reais mas recebeu um teto de 16.3 milhões de reais. Então a gente precisa rever quais são as prioridades do Governo. E elas são, no nosso entender, a agricultura brasileira, a agropecuária que é uma dinâmica, que traz recursos na comercialização internacional e gera empregos, boa parte deles dentro das cidades. Porque é nas cidades, nos grandes centros urbanos, que são fabricados os produtos, onde estão as indústrias e a produção de biocombustiveis. Todo investimento na agricultura volta em benefício da sociedade, inclusive em impostos, muitas vezes mais do que é aplicado. É uma questão de entendimento e priorização. Quem tem a caneta na mão é quem tem decidir se a agricultura é importante para esse País e se vale a pena investir ou se ela é parcialmente importante e dai se investe parcialmente, não aquilo que se deve investir. A gente precisa otimizar isso tudo, alavancar de uma forma mais dinâmica todo esse processo.

RURAL MGZN - Como ficou a situação da armazenagem no Rio Grande do Sul, com os problemas das chuvas que atingiram muitos silos e armazéns no Estado?

PAULO BERTOLINI - A agricultura brasileira começou no Rio Grande do Sul. Essa agricultura moderna, de grãos e de soja se expandiu dali para todo o país. Muitas regiões brasileiras foram colonizadas por agricultores gaúchos. Então, essa regão por ser mais desenvolvida que as demais, com bastante cooperativas, está bem estruturada encima de armazéns, embora eles tenha sido construídos há mais de 40, 50 anos e muitos talvez não estejam adequados às normas de segurança e reguladoras atuais. Mas estão num processo de adequação. De qualquer forma, o que aconteceu no Estado foi que a armazenagem acabou sendo afetada pelas enchentes. Obviamente aquelas unidades foram comprometidas de forma bastante intensa. A Abimaq inclusive lançou orientações de como manusear e cuidados no manuseio dos produtos que estão nos armazéns nessa situação. As chuvas intensas também deterioraram o solo onde os silos estão instalados. Porém, nâo foi intensiva, foram casos pontuais, que puderam ser administrados da forma correta.

RURAL MGZN - Como que a Abimaq tem atuado para mudar essa situação da armazenagem no Brasil?

PAULO BERTOLINI - Já faz alguns anos que a gente faz isso. O PCA não é uma linha recente, tem cerca de dez anos e boa parte disso é um trabalho da Abimaq. A gente tem tentado conscietizar não só quem está no Governo, mas quem participa das decisões e da cadeia de decisões do agro sobre a necessidade e importância de ser a capacidade de armazenagem brasileira ser ampliada rapidamente. E o único caminho para que isso aconteça é através de financiamento. Lá atrás o agricultor queria ampliar sua área, a intenção dele era comprar mais terras, enfim, crescer horizontalmente. Mas hoje, com a valorização das terras, com a impossibilidade de ampliar horizontalmente, coisa que só acontece em terras degradadas, ele precisa agregar valor à sua produção. Ele precisa deixar de tercerizar algumas coisas e uma delas é a armazenagem. E ele tem consciência de que a armazenagem faz parte do negócio dele para agregar valor. Então essa consciência está disseminada. A questão do déficit de armazenagem é bem clara para quem atua no agro e existe há muito tempo. Estudos da Abimaq foram feitos e apresentados para governos e congressistas que estão trabalhando em prol da agricultura brasileira para que eles tenham informações técnicas e fatos para lutar setor.

RURAL MGZN - Então, o produtor está consciente dessa necessidade hoje?

PAULO BERTOLINI - Sim. Porque ele começou a sentir no bolso o que é não ter armazenagem comparando com o vizinho que tem armazém. E o que falta para ele? Falta dinheiro para investimento. E hoje funciona assim: quando ele se mobiliza e vai no banco buscar esse recurso, ele se se movimenta de forma mais lenta que grandes cooperativas e empresas que tem equipes para fazer cadastros, buscar documentos, obter licenciamentos, etc… Essa burocracia toda é algo que atrapalha muito o processo. Então, quando ele consegue fazer isso tudo e volta no banco, não tem mais dinheiro… Isso só demonstra que há uma demanda, uma necessidade de armazenagem. Basta ver as notícias que vocês do portal RuralNews mesmo publicam de situações onde o milho é jogado a céu aberto por falta de armazéns. Isso tudo ajuda a mostrar a necessidade da armazenagem, principalmente dentro das fazendas. Precisamos desburocratizar essas linhas e tornar o PCA com prioridade para estruturas dentro da porteira, que é o que vai mudar o perfil da agricultura brasileira.

RURAL MGZN - E como funciona essa estrutura de armazenamento hoje nos outros países?

PAULO BERTOLINI - Se você pegar o nosso principal concorrente no mercado de grãos, que são os EUA, vai ver que eles tem capacidade de armazenar uma safra e meia. Além disso, eles têm uma infra estrutura fantástica de portos, ferrovias e hidrovias totalmente integrada. E eles possuem mais de 60% da capacidade estática de armazenamento dentro das fazendas, porque ali é o lugar ideal para armazenar o grão. Eles não armazenam um grão que não passou por um processo de preparo, para ser armazenado de forma adequada. Então, esse é o modelo que dá certo e torna a agricultura americana vantajosa e melhor que a do Brasil. O interessante é que da porteira prá dentro, nós somos melhores que os americanos. Produzimos melhor, com mais resiliência e temos uma vantagem competitiva melhor. Porém, da porteira para fora somos ineficientes. Toda a nossa infraestrutura de armazenagem vai ter que passar pela infra estrutura logística, está muito aquém daquilo que a gente precisa.. Temos ainda rodovias da década de 70 e ferrovias centenárias que foram inauguradas por D. Pedro II… Olha a Ferrogrão, que até agora não conseguiu ser liberada, depois de anos e anos de estudos. A própria Ferroeste, que começa em Cascavel e segue para o Mato Grosso é outro exemplo… Quantos anos se debatendo sobre isso! Esse falta de infraestrutura e capacidade de armazenagem nos tira competitividade e nos tira recursos. O que acontece hoje é que fora da colheita o agricultor nâo tem onde colocar sua produção. Assim, ele acaba se obrigando a vender para o mercado, derrubando os preços. Os prêmios internacionais são extremamente negativos no Brasil em função dessa estrutura que a gente não tem. No fim, isso tira renda e também poder de investimento do agricultor. O produtor brasileiro não guarda dinheiro, ele reinveste. Ele tem essa cultura de estar sempre reinvestindo e isso é uma coisa bastante positiva, pois ele faz a roda girar. Temos que mudar esse princípio do "perde-perde" para o "ganha-ganha". E a mola propulsora para isso é, no entender da Abimaq, disponibilizar linhas de crédito para o agricultor, com juros atrativos, compativeis e baratos. Hoje a linha está barata, o juro é bom no nosso entender, de um digito, 7% no caso do PCA até 6 mil toneladas, e de 8,5% para estruturas maiores. Então a linha de crédito vai fazer com que essa dinâmica negativa da falta de armazenagem passe a ser positiva.

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