Nesta semana os países membros do Mercosul foram sacudidos com a saída da Argentina das negociações do bloco em andamento com países como Canadá, Japão, Coreia do Sul e Vietnã, mantendo apenas os acordos já firmados com a União Europeia a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta). O argumento dos país é que voltaria mais a atenção para a demanda interna e controle da crise econômica, agravada com a pandemia de coronavírus (Covid-19).
A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil (US$ 1,17 bilhões) e o Brasil por sua vez é o principal da Argentina (US$ 2,26 bilhões). Entre os produtos que o Brasil mais compra está o trigo, arroz, malte, frutas, produtos hortícolas e leite em pó. Já a argentina compra tratores produzidos no Brasil, celulose, soja em grãos, produtos de cacau, algodão, café verde e carne suína.
Nessa relação bilateral, especialistas avaliam que quem mais perde com a saída do bloco é a Argentina. O Portal Agrolink conversou com a adido agrícola do Brasil na Argentina, Priscila Rech Pinto Moser, sobre o trabalho realizado no país vizinho e as negociações que estão em tramite para o agronegócio brasileiro. A profissional está em Buenos Aires desde 2017. Atualmente o Brasil e Mercosul negociam com Canadá, Coreia do Sul , Cingapura, Líbano e Tunísia. União Europeia e Efta já está em fase de redigir acordo. Ainda não se sabe que setores e produtos do agronegócio serão beneficiados. Confira a entrevista:
"Nós entendemos que o Brasil tem que se mostrar como parceiro confiável, que prioriza e cumpre as suas relações e prazos"
"A Coreia do Sul é o 9º maior consumidor de alimentos e tem oportunidade para milho, trigo, suíno congelado, farelo de soja, carne bovina desossada e congelada"
"A nossa relação bilateral agrícola é ótima. Vemos a disposição dos dois países de continuarem trabalhando juntos, de forma coordenada"
Portal Agrolink: como repercutiu no agro a saída da Argentina?
Priscila: na visão do Brasil, principalmente com a pandemia, devem ser firmados acordos substancias e efetivos para assegurar a comercialização sólida de produtos brasileiros. Nós entendemos que o Brasil tem que se mostrar como parceiro confiável, que prioriza e cumpre as suas relações e prazos. A firmação de acordos comerciais propricia este ambiente. Os principais países que competem com o Brasil já se beneficiam de preferências de acordos de livre comércio em setores- chave do agronegócio. Temos que buscar isso também, principalmente neste momento. O governo argentino, que assumiu em dezembro, passado já vinha com ritmo e visão diferente em relação ao Brasil e afirmou que essa decisão de sair do Mercosul visava priorizar as demandas internas com a Covid-19 e que a Argentina estava com receio da entrada de muitos produtos estrangeiros que poderia aprofundar mais a crise econômica do país. As entidades do agro argentino entraram em contato conosco por meio de documentos oficiais e manifestaram a insatisfação com essa medida. A nossa expectativa era de encerrar e consolidar as negociações mais avançadas até o final deste ano ou começo do ano que vem. Com a pandemia esse prazo fica prejudicado. A Argentina não está saindo em definitivo. Inclusive no futuro ela pode vir a aderir a acordos assinados em sua ausência do bloco.
Portal Agrolink: esse episódio pode repercutir em produtos e negociações do agro brasileiro?
Priscila: as negociações com a União Européia não foram prejudicadas e correm normalmente. Inclusive a Argentina deixou claro que as negociações que estão acontecendo não serão prejudicadas. Cabe agora ver como vão ocorrer essas negociações com diferentes mercados e resultados. Por exemplo: a Coreia do Sul é o 9º maior consumidor de alimentos e tem oportunidade para milho, trigo, suíno congelado, farelo de soja, carne bovina desossada e congelada. Cada mercado vai ter a sua particularidade e oportunidade para cada um de nossos setores.
Portal Agrolink: quais as prioridade de trabalho neste momento de pandemia?
Priscila: em plena pandemia o Brasil conquistou dois recordes: o de produção com a maior safra da história e o de exportações agrícolas. Temos três prioridades de trabalho: primeiro o abastecimento. Garantir que não faltem produtos no mercado interno para a população. Pra mim essa pandemia mostrou a importância do produtor rural e a complexidade do setor do agro, dar valor ao lugar de onde vem a comida para a mesa. A segunda prioridade é a não interrupção do livre comércio entre países, buscando a facilitação do comércio com os rigorosos protocolos sanitários que devem ser seguidos. Por exemplo: aqui na Argentina introduzimos as certificações sanitárias digitais para o comércio e o MAPA flexibilizou a certificação veterinária internacional para a entrada de cães e gatos no país. Isso facilitou a repatriação de brasileiros que podem ingressar no Brasil durante a pandemia com atestado veterinário e a carteira de vacinação da raiva em dia. E a terceira prioridade é a continuidade do acompanhamento dos avanços da agenda bilateral. Tivemos uma reunião em fevereiro, com autoridades dos dois países, onde foi feita uma agenda de trabalho. Com isso foi possível avançar em diversas questões interessantes para produtos brasileiros. Conseguimos este ano a abertura de mercado para sêmen suíno, carne de rã, lanolina, recortes de pele bovina para gelatina, produtos agrícolas termoprocessados o que inclui ovos e outros produtos, reprodutores e embriões bovinos, lácteos destinados à alimentação animal e também negociamos atualização de certificado de importação e exportação de lácteos para alimentação humana. Conseguimos avançar em diversos temas e o trabalho segue para avançar ainda mais até maio e junho deste ano.
Portal Agrolink: como vem se desenvolvendo o trabalho como adido agrícola na Argentina?
Priscila: foram grandes oportunidades de representar o Mapa em diversas rodadas de negociações internacionais, como o acordo Mercosul/UE finalizado no meio do ano passado, Mercosul e Efta finalizada em agosto e Mercosul e Cingapura. Foram diversos fóruns e eventos como reunião dos ministros do G-20, da FAO, entre outros. Nosso trabalho mais intenso é em certificação sanitária e fitossanitária. Como resultado tivemos aberturas de mercados, além dos mencionados, como soro bovino, gelatina e colágeno, seis espécies de flores, abacate, carne suína curada, peixes vivos, milheto, heparina crua bovina, unificação de certificado sanitário para carne suína fresca, atualização de certificado sanitário para produto suíno termoprocessado e internalização da resolução da cachaça. O trabalho do adido agrícola por aqui é intenso e constante. A relação bilateral é ótima. Vemos a disposição dos dois países de continuarem trabalhando juntos, de forma coordenada, com apoio dos ministros da Agricultura de Brasil e Argentina. Ainda fico até o final de 2021 aqui, com expectativa de avançar em mais temas.
Portal Agrolink: que orientações o Mapa e a ministra Tereza Cristina têm feito para o trabalho dos adidos?
Priscila: busca de melhores condições de acesso dos produtos do agro para novos mercados. Desde janeiro de 2019 obtivemos a abertura de 48 mercados, em 23 países. Outra diretriz é o estudo de políticas agrícolas e as legislações de interesse da agricultura nos países onde acontece nosso trabalho. O monitoramento de eventuais mudanças nas políticas sanitárias e fitossanitárias; participação em eventos de interesse do agronegócio representando o Mapa; acompanhamento de ações de cooperação na área agrícola incluindo políticas ambientais, combate a fome e desenvolvimento rural; promoção da imagem e do agro brasileiro. Os adidos têm informações e relações privilegiadas onde podem identificar tendências e oportunidades, padrões de consumo, qualidade para traçar cenários para o que pode favorecer o Brasil em comércio exterior. Infelizmente existe uma desinformação e desconhecimento sobre a agricultura brasileira e nosso papel também é esclarecer sobre isso.