Os crescimentos esperados da população mundial e da renda para os próximos anos têm levado governos ao redor do mundo a desenvolver estratégias e parcerias para garantir a segurança alimentar de seus habitantes. Se por um lado há necessidade de se estimular o crescimento da produção mundial de alimentos, por outro, os países produtores são chamados a concentrar esforços no desenvolvimento de sistemas produtivos cada vez mais sustentáveis.
O conceito de Segurança Alimentar pode ser avaliado sob duas dimensões: qualidade e quantidade. Primeiramente, o termo Food Safety, ou saúde do alimento, refere-se à qualidade dos alimentos, e externa preocupações com contaminações de naturezas físicas, químicas e biológicas nos seus processos de produção, processamento, logísticos e preparação final que podem levar a prejuízos à saúde humana e ao meio ambiente. Já o termo Food Security, ou Segurança Alimentar em seu sentido mais estrito, refere-se à disponibilidade de alimentos em quantidade suficiente para suprir as necessidades de todos os habitantes de um determinado país ou até mesmo de todos os habitantes do planeta.
Quando tratamos da dimensão quantidade, o Brasil é tido como um caso de sucesso. O País é hoje um dos principais produtores mundiais e tem produzido quantidade de alimento suficiente para abastecer seu mercado doméstico e boa parte da demanda externa. Segundo informações do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América (USDA), o Brasil é atualmente o maior exportador de carnes (bovina e de frango), soja em grão, açúcar, suco de laranja e café; além de estar entre os principais exportadores de algodão, milho, frutas, carne suína e produtos do setor florestal.
É fato que o País é hoje uma grande potência no quesito produção de alimentos e pode produzir muito mais, devido a suas vantagens comparativas, como disponibilidade de recursos naturais (água e terra), em relação aos outros países. Contudo, é interessante observar a dinâmica histórica para entender como o Brasil chegou à posição tão privilegiada nos dias de hoje e quais seus desafios para manter o crescimento da produção agropecuária nos próximos anos de forma sustentável.
Apesar de ter sua economia atrelada à produção agropecuária durante toda sua existência, o Brasil dependia significativamente de importações de alimentos até a década de 1970. Já ao final dos anos 1970, o País adotou como estratégia de segurança alimentar investir na produção doméstica de alimentos. O apoio à produção agropecuária se deu na forma de crédito agrícola para custeio e investimento, e também no desenvolvimento de ferramentas de sustentação de preços, que, a partir do início dos anos 2000, tiveram participação de instrumentos de apoio ao setor em conjunto com a iniciativa privada. Além disso, o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) gerou novas tecnologias que viabilizaram a produção de grãos no Cerrado e, mais tarde, nos anos 2000, na região conhecida como Matopiba (estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
As inovações tecnológicas na agricultura levaram a um nível maior de produtividade no campo, permitindo, assim, que a produção agrícola mais que quadruplicasse no período de 1990 a 2020, enquanto a área utilizada para a produção de grãos crescia apenas 68% nesse mesmo período, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já no caso de algumas culturas, como o café e a laranja, houve crescimento da produção com queda de área. Desse modo, foi por meio de investimento e incentivo à P&D que o País vivenciou, no final do século passado, o período conhecido como “Revolução Verde”.
A autossuficiência alimentar é um desafio para o desenvolvimento econômico e a estabilidade social para as próximas gerações, visto que os recursos naturais são limitados e que parte da produção no campo é alocada para fins não alimentares, como produção de biocombustíveis, fibras, matérias-primas industriais e serviços ecossistêmicos. Assim, para promover a expansão da produção e do rendimento agrícola, a utilização de agroquímicos, máquinas agrícolas e tecnologias biológica e de informação tornou-se uma necessidade, para garantir que a produtividade potencial seja alcançada, e que não haja perdas nas lavouras.
No entanto, esses produtos e recursos devem ser usados de forma racional e em conformidade com as recomendações científicas, de modo a minimizar impactos danosos à saúde de produtores e consumidores e aos recursos naturais durante seu fluxo ao longo das cadeias produtivas. Desse modo, mais uma vez, o desenvolvimento de novas tecnologias de produção sustentável e menos impactantes ao meio ambiente será o caminho para se garantir a Segurança Alimentar extensiva às gerações futuras.
(*) Andréia Adami é pesquisadora da área de Macroeconomia do Cepea. Esse artigo foi publicado originalmente no site da instituição.