Centenas de produtores rurais do Paraná foram à Justiça para tentar rever os critérios que justificam pareceres negativos para o pagamento de apólices de seguro rural referentes à Safra 2021/22. Até o momento, as mais de 300 ações abertas no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) apontam que a maior parte dos problemas ocorre junto à empresa Newe Seguros S.A. A companhia se defende alegando que o número de casos com problemas é uma fração pequena em relação ao total de sinistros regulados e que explicará pontualmente os motivos de suas decisões.
Os problemas de parte dos produtores em relação a suas apólices ocorreram na temporada 2021/22, que teve quebra de 41% na produção de soja no Estado. Porém, algumas áreas nas regiões Oeste e Sudoeste tiveram perdas de até 82%, conforme dados do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento (Seab). Com esse prejuízo, os comunicados de sinistros para as seguradoras aumentaram significativamente.
A Newe foi a segunda empresa que mais vendeu apólices de seguro rural no Paraná no âmbito do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) em 2021. Ao todo, a empresa atendeu 8.571 beneficiários, com um total de 13.374 apólices, conforme dados do Atlas do Seguro Rural, atualizados em 17 de janeiro de 2023. No total, foram indenizadas 5.659 apólices, em um montante de R$ 460,1 milhões. A arrecadação da seguradora com o prêmio pago pelos produtores mais a subvenção (dinheiro destinado pelo poder público ao subsídio do seguro) fechou em R$ 244,5 milhões.
Considerando a recorrência das reclamações de produtores nos sindicatos rurais espalhados pelo Paraná e na própria Justiça, o Sistema FAEP/SENAR-PR fez um levantamento revelando que os principais pontos questionados judicialmente pelos agricultores são relacionados ao indeferimento de sinistros ou o cálculo de indenização. As alegações passam pelo atendimento falho e omisso, demora excessiva no processo de atendimento, solicitações extemporâneas de documentos e regulação dos sinistros.
“Os relatos mais graves são de descumprimento dos critérios técnicos de análise pré-estabelecidos no contrato de seguro, implicando em indenizações parciais ou indeferimento definitivo por parte da seguradora por má condução da lavoura”, descreve técnica Ana Paula Kowalski, do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR.
O presidente da Comissão Técnica (CT) de Cereais, Fibras e Oleaginosas do Sistema FAEP/SENAR-PR, José Antônio Borghi, de Maringá, no Noroeste, recebeu dezenas de relatos de produtores da região que também procuraram a via jurídica contra a Newe. “Na condição de presidente da Comissão, recebi esses relatos e encaminhamos para a FAEP tomar providências, ver o que era possível fazer. A orientação é que os pleitos sejam individuais, ou seja, que cada produtor acione a empresa por via judicial”, compartilha Borghi. “O problema é que sabemos que essas coisas demoram e isso tem nos angustiado”, relata.
A produtora rural e advogada Neide Ramos, de Itambé, no Noroeste, ingressou com uma ação contra a Newe (em nome do marido), além de representar diversos agricultores na mesma situação. Segundo ela, as alegações da empresa para a negativa de indenização parcial ou total se referem principalmente a três aspectos: seca e formação do primeiro trifólio (três folhas da planta de soja precisam estar formadas antes do evento de seca); produtores que teriam plantado no pó; e má condução da lavoura. “Cada caso tem suas especificidades, mas a maior parte das justificativas envolvem aspectos para os quais temos evidências de que não ocorreram. Claro que tudo isso deverá ser analisado pela Justiça”, observa Neide.
No Oeste do Paraná, o presidente do Sindicato Rural de Marechal Cândido Rondon, Edio Chapla, revela que são dezenas de casos na região, que devem ser questionados na Justiça. “Estamos orientando os produtores a buscar a via jurídica, pois já faz mais de um ano do comunicado de sinistros e muitos ainda não receberam indenização”, explica.
Para os produtores que se sentiram lesados, vale lembrar que é preciso denunciar o caso à Superintendência de Seguro Privado (Susep), no site consumidor.gov.br.
A Newe enviou uma nota de posicionamento na qual enfatiza ter participado de todas as safras, desde 2017, e que nas 11 temporadas, somando verão e inverno, emitiu 50 mil apólices, tendo recebido 27 mil avisos de sinistro, dos quais mais de 97% “foram encerrados, com e sem indenização, e liquidados sem que houvesse qualquer tipo de contestação”. A empresa também classifica como catastróficas as perdas nas safras de inverno de 2021 e verão 2021/22, que geraram “um volume extraordinário de sinistros comunicados, sendo que o somatório de sinistros avisados no ano de 2021” superou todo o histórico somado da companhia.
A Newe diz também que a cada safra há uma minoria de sinistros recusados, com base em cláusulas das apólices e na legislação vigente, e que isso não foi diferente nas safras de inverno de 2021 e de verão 2021/22. “É necessário lembrar que o seguro é um mecanismo excelente de alocação e mitigação de riscos, mas, como dito, exige o atendimento de certas condições, o que é feito pela absoluta maioria dos produtores”, destaca a empresa em sua nota.
O documento ainda se refere aos processos judiciais em aberto contra a empresa e pontua que “embora indesejado por todos os envolvidos, especialmente pela companhia, representa, como se pode perceber pelos números apresentados, apenas uma pequena fração em relação ao número de sinistros regulados pela companhia” e que “a existência de processos judiciais por si só não depõe necessariamente contra a companhia como um atestado de má conduta. Assim como feito nos processos de regulação de sinistros, a companhia explicará em cada um dos casos os motivos de suas posições e decisões”.