A Sociedade Brasileira de Nematologia estima que, somente na cultura da soja, os nematoides causam prejuízos de 16 bilhões de reais ao ano. Quando olhamos também para importantes culturas no país além da soja, como o feijão, a cana-de-açúcar, entre outras, o impacto financeiro chega à ordem de 36 bilhões anuais. Com valores tão expressivos, é seguro afirmar que o combate a esses parasitas é um dos maiores desafios da agricultura brasileira. Para reduzir as perdas causadas pelos nematoides, diversas medidas de controle integradas têm sido adotadas. Dentre elas, está o uso de cultivares de soja resistentes, uso de nematicidas e rotação de culturas com espécies não hospedeiras ou má hospedeiras. Porém, essas ações têm seu principal foco de controle durante a safra de verão. Para garantir um manejo ainda mais adequado no combate a essas pragas, as culturas de inverno ganham relevância nesse papel. Dentre elas, o trigo surge como um aliado do produtor e une duas frentes: a redução populacional dos nematoides e a rentabilidade econômica da propriedade no inverno.
Segundo a doutora em nematologia e professora associada da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Claudia Arieira, dentre as principais espécies que infectam a soja, estão o nematoide das galhas (Meloidogyne javanica e M. incognita), o nematoide das lesões radiculares (Pratylenchus brachyurus), o nematoide do cisto (Heterodera glycines) e o nematoide reniforme (Rotylenchulus reniformis). Desses, os dois primeiros ganham destaque como os mais importantes em âmbito nacional.
Os sintomas primários dessas pragas são observados no sistema radicular, com algumas variações entre as espécies. “O nematoide das galhas causa engrossamento das raízes, formando galhas de número e tamanhos variados. Já os sintomas do nematoide das lesões são raízes menos volumosas e pouco desenvolvidas. Devido à junção de muitas infecções necróticas, pode haver o escurecimento completo do sistema radicular”, menciona o fitopatologista da Biotrigo, Paulo Kuhnem. Nas lavouras, os sintomas de ambos os nematoides são normalmente observados em reboleiras, com plantas amareladas e menos desenvolvidas.
Conforme Paulo, é importante entender que a erradicação desses organismos é uma tarefa extremamente difícil e que medidas isoladas não conseguem controlar satisfatoriamente os nematoides. Uma das principais ações a serem tomadas nesse manejo é o uso de cultivares resistentes à espécie-alvo de nematoide. Nessas variedades, é utilizado o fator de reprodução (FR) para caracterizar o nível de resistência de uma cultivar aos nematoides, que é o resultado da população final da espécie dividido pela população inicial em contato com as raízes após um determinado período. “Valores de FR abaixo de um significam que a população final é menor, não houve reprodução e a cultivar é considerada resistente. Valores de FR entre um e dois são considerados de baixa capacidade de reprodução e a cultivar é tida como moderadamente resistente. Já uma cultivar com FR acima de dois é considerada moderadamente suscetível ou suscetível”, diz Paulo.
De acordo com o fitopatologista, os primeiros estudos utilizando o trigo foram no manejo de nematoide das galhas. Resultados de pesquisa de instituições especializadas demonstram a viabilidade da cultura em integrar este manejo. No entanto, variações na reação de cultivares nesses estudos indicam a necessidade de se conhecer o FR de cada genótipo para cada espécie de nematoide, bem como a realização de testes em diferentes regiões para abranger uma maior variabilidade das populações de nematoides.
Em ensaio conjunto realizado pela Biotrigo e o Centro Universitário Integrado em Campo Mourão (PR), no ano de 2018, que avaliou o efeito de diferentes sistemas de manejo, como o milho segunda safra e o trigo, constatou-se que o milho, em termos gerais, aumenta significativamente a população inicial. No ensaio, o híbrido avaliado apresentou FR = 8,1. Já o trigo obteve FR = 0,43. “Isso demonstra que o uso de cultivares de trigo, de forma geral, reduz efetivamente a população desses nematoides no campo”, indica Paulo.
Pesquisas realizadas em 2021 pelos nematologistas da UEM mostraram que algumas cultivares de trigo tiveram fatores de reprodução baixos para uma das espécies do nematoide das galhas, o M. javanica, e para o nematoide das lesões. “Se tratando de M. javanica, TBIO Audaz, TBIO Sonic, TBIO Sossego e TBIO Toruk apresentaram FR 0,46; 0,09; 0,37 e 0,46, respectivamente. No tratamento testemunha com uma cultivar de soja suscetível, o FR foi de 22,54.
Olhando para o P. brachyurus, essas mesmas cultivares tiveram FR iguais a 0,66; 0,23; 0,31 e 0,57, nessa ordem. A soja testemunha teve FR 7,93”, pontua Claudia. A pesquisadora ainda registra que, em 2022, foram feitos novos testes com outras cultivares. “Em relação à M. javanica, TBIO Blanc, TBIO Convicto, TBIO Sagaz (componente do mix XBIO Fusão) e TBIO Trunfo apresentaram FR 0,10; 0,33; 0,19 e 0,45, respectivamente. No tratamento testemunha, o valor foi de 22,37.
Já para M. incognita, essas mesmas variedades tiveram valores de FR equivalentes a 0,98; 1,63; 0,35 e 1,36, nessa ordem. O controle na soja contou com o valor de 21,30”, acrescenta. De acordo com Paulo, as cultivares TBIO Calibre, TBIO Ponteiro e TBIO Duque apresentaram, para as duas espécies de nematoides das galhas, um FR médio de 0,98; 0,67 e 0,34, respectivamente.
Esses resultados, para Claudia, indicam que as cultivares de trigo em questão não se comportam como bons hospedeiros das espécies de nematoides se comparados a uma planta suscetível. “Esses materiais podem compor o sistema de manejo integrado com o intuito de reduzir ou não aumentar o nível populacional de nematoide em uma determinada área”, avalia.
Além de oferecer já comprovados benefícios ao sistema produtivo, melhorar a gestão administrativa da propriedade e entregar renda durante o período do inverno, tão carente de opções, fica claro que a cultura do trigo se coloca como uma ferramenta promissora no manejo integrado de nematoides, devido aos baixos fatores de reprodução vistos em diversos genótipos.