A produtora rural Heloísa Sverzut, de Mato Grosso, foi uma das primeiras mães a denunciarem a forma como os livros didáticos da escola das filhas gêmeas, de nove anos, tratavam a agropecuária no Brasil. Na história da Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, a floresta está completamente destruída, o Lobo Mau corre risco de extinção e a culpa do desmatamento é do homem do campo.
Heloísa conta que conversou com as filhas e disse que aquilo não era a verdade. “Elas responderam: ‘Eu sei, mamãe, mas está escrito assim no livro, e se eu não colocar assim na prova, a tia vai falar que está errado’. Então, o livro vem trabalhando temas de formas distorcidas, com crianças numa idade em que mesmo que elas conheçam a realidade, não sabem argumentar com o professor”, diz.
A produtora afirma que o impacto pode ser ainda mais significativo sobre crianças que só conhecem a realidade do campo por meio dos livros. “O que elas estão aprendendo? Que o produto destrói, mata animais. Por que isso? Por que não falar a verdade nos livros então?”, questiona.
Distorções
A consultoria de agro Andreia Bernabé também identificou distorções na imagem do campo nos livros didáticos. Em uma charge, o autor critica o uso de defensivos mostrando um homem reclamando com o delegado que a mulher tentou envenená-lo servindo pimentão, tomate e alface no jantar e, como sobremesa, uva e morango.
“Não tem muito contexto com a nossa realidade. Eu nunca vi alguém morrendo por comer tomate, alface. Um outro exemplo, em um livro, a editora sugere que a soja que é plantada em Mato Grosso do Sul é baseada em sangue de crianças indígenas”, afirma Andreia.
O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Bartolomeu Braz, definiu a acusação como absurda. “Para começar, a nossa produção de soja corresponde só a 4% do território brasileiro, enquanto as reservas indígenas chegam a quase 15%. E, na verdade, a soja está salvando pessoas ali, melhorando a vida das pessoas”, argumenta.
Movimento coletivo
O desabafo de algumas mães se transformou em um movimento coletivo nacional organizado pela internet. Só no Instagram, o grupo de olho no material escolar já conta com a participação de mais de 700 mães e pais de todo o país, ligados ou não ao agro. Uma ferramenta importante para coletar novos relatos.
“No material dos meus filhos conta que trabalhadores rurais são enganados por seus patrões e obrigados a trabalhar como escravos, e são vigiados por homens armados para não fugirem”, relata uma mãe, no Instagram.
Andreia afirma que as crianças veem isso e acabam acreditando que ainda existe trabalho escravo. “Todos esses materiais são antigos, datam de 1992. Poxa, nós estamos em 2020”, reclama.
Duas semanas atrás, o movimento reuniu vários depoimentos e entregou ao deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Procurada pelo Canal Rural, a entidade informou que está estudando o assunto. O Ministério da Agricultura também não se posicionou. A ministra Tereza Cristina, tempos atrás, disse que existe nas escolas a vontade de mostrar que o setor é atrasado.
‘Doutrinação’
Segundo o professor Xico Graziano, as crianças estão sendo doutrinadas com esses livros. “Como professor, fico com o coração doido. Dou aula desde que me formei, faz 40 anos. Nossa tarefa é ensinar, dar os caminhos. Existem problemas na agricultura e na história, claro, mas vender hoje sobre o passado e não dizer que a agropecuária está alimentando o povo, que as pessoas estão vivendo mais, é impressionante”, diz.
O ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo considera inaceitável a maneira ideológica com a qual o agro é tratado nesses livros didáticos. “A ideologia do Brasil tem que ser uma só: a do desenvolvimento. O conteúdo didático do Brasil tem que exaltar a nossa agricultura, apontar os seus erros e suas falhas, sim, mas tem que exaltar o papel dela no passado, no presente e o que ela pode garantir no futuro”, afirma.
É o que essas mães também esperam, principalmente as produtoras rurais. Antes de pensar em mudar a imagem do Brasil lá fora, é preciso trabalhar para que ela não seja distorcida aqui dentro. “A nossa imagem lá fora realmente não é das melhores, por isso é que nós temos que, por meio desses livros , das nossas crianças, fazer nosso dever de casa. Organizar essa comunicação, atualizar esses professores. Não é um trabalho fácil, não é um trabalho rápido, mas ele precisa ser iniciado. Vem gente do mundo inteiro para aprender as nossas metodologias. É isso que tem que ser ensinado para as nossas crianças”, finaliza Andreia.
Fonte: Canal Rural