A transparência na relação entre agroindústrias e produtores rurais por meio das Comissões para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração (Cadecs) tem promovido melhorias constantes na cadeia produtiva da suinocultura, inclusive no ajuste dos repasses dos valores pagos aos produtores paranaenses. A crise global do pós-pandemia, a Guerra na Ucrânia e fatores internos da economia nacional, no entanto, não têm dado trégua e ainda há defasagem nos valores praticados. Esse é o quadro apontado pelo levantamento de custos de produção da suinocultura, elaborado pelo Sistema FAEP/SENAR-PR.
“A suinocultura é um dos carros-chefes da atividade pecuária no Paraná, tanto para o mercado interno quanto para alimentar o mundo. Seja em momentos de crise como o que vivemos ou em dias com melhores resultados, é fundamental termos uma conversa afinada entre agroindústrias e produtores. E, para isso, precisamos nos embasar em números, justamente o que fazemos há tantos anos ao gerar dados de qualidade para dar subsídio às negociações”, avalia o presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette.
Para chegar aos números desta edição do levantamento de custos de produção da suinocultura, reuniões foram realizadas com produtores rurais, revendas de insumos, representantes da agroindústria, instituições financeiras e demais agentes do setor, para apurar os custos de uma propriedade modal, ou seja, o perfil de negócio que mais se repete na região. Os encontros para chegar aos números foram realizados no modo virtual, ainda em precaução à pandemia do novo coronavírus.
A pesquisa abrange as principais regiões produtoras de suínos no Paraná: Campos Gerais, Sudoeste e Oeste. Nesta edição, os dados se referem apenas a sistemas integrados, nos quais os produtores são responsáveis por fornecer mão de obra, infraestrutura e terra, com os insumos bancados pela indústria (animais, ração, medicamentos e assistência técnica). Os dados têm essa restrição porque em nenhuma região houve participação de produtores dos sistemas independentes e cooperados e dois painéis foram cancelados por falta de participantes: Terminação e Ciclo Completo. Nos Campos Gerais, não foram levantados dados porque não houve participantes nas reuniões nos painéis programados.
Tempestade perfeita
No contexto geral da atividade, a presidente da Comissão Técnica (CT) de Suinocultura do Sistema FAEP/SENAR-PR, Deborah de Geus, enfatiza que, inicialmente, é preciso considerar que a produção de suínos vive uma crise de grande proporção desde o começo de 2021. “O que está pegando é o custo muito alto, sem perspectiva de queda nas cotações do milho e da soja, e a crescente oferta de suínos no mercado interno. Com essa questão da Guerra da Ucrânia, a exportação para a Rússia parou, e com a questão da Covid-19, os portos da China fecharam. Temos uma perspectiva de melhora, com a reabertura dos portos chineses, apesar da alta no custo de contêineres”, lembra Deborah. “A verdade é que vivemos uma ‘tempestade perfeita’. Tudo que tinha que dar de pior, aconteceu”, reforça.
Os aspectos globais e nacionais apontados pela presidente da CT respingam no dia a dia do produtor. Segundo o levantamento do Sistema FAEP/SENAR-PR, donos de Unidade Produtora de Leitões (UPL integrado), por exemplo, tiveram um aumento significativo nos custos de produção em relação ao levantamento anterior, de novembro de 2021. O custo total por cabeça alcançou R$ 66,04, enquanto a receita do produtor foi de R$ 46,87 – prejuízo de R$ 19,17 por leitão.
“Apesar de vermos um aumento no valor pago ao produtor, a receita obtida não é suficiente para cobrir os desembolsos, e insuficiente para pagar a depreciação de máquinas e equipamento e a remuneração do capital investido”, aponta Nicolle Wilsek, técnica do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR.
O cenário é parecido também na modalidade Unidade Produtora de Leitões Desmamados (UPD integrado), sistema no qual o item “despesas financeiras” foi o maior responsável pelo aumento nos custos de produção, com acréscimo superior a 40%. “Os preços dos combustíveis têm registrado forte elevação, assim como energia elétrica. Esta última em função da redução dos subsídios para a classe rural e a aplicação da bandeira vermelha, por conta da estiagem ocorrida no último semestre. Ainda que o aumento na receita do produtor tenha sido de 12,93% pelo leitão na região Oeste, as margens permanecem negativas”, acrescenta Nicolle.
Na Unidade Creche (UC), a operação no vermelho também é uma realidade. Houve aumento de 81,73% no custo fixo e a depreciação não permitiu ao produtor obter rentabilidade positiva, somado à queda de 7,14% no preço pago ao produtor na comparação entre os levantamentos do fim de 2021. “A receita por animal foi de R$ 6,50, o custo variável foi de R$ 6,54. O custo o operacional alcançou R$ 10,43 e o custo total foi de R$ 12,94 para o produtor integrado, tornando a atividade insustentável em curto prazo”, alerta a técnica do DTE.
Situação seria ainda pior sem Cadecs
A possibilidade de negociação entre produtores rurais e a agroindústria no âmbito das Cadecs tem feito com que os dois elos da cadeia produtiva dividam, em parte, os prejuízos causados pela “tempestade perfeita”. Um exemplo vem de Marechal Cândido Rondon, no Oeste do Paraná. O suinocultor Eloi Daga Favero, que tem uma granja de 770 matrizes para produção de leitões desmamados (7,5 quilos), destaca a importância de uma planilha unificada com a agroindústria.
“Tivemos um aumento significativo de custos e as empresas não conseguiram repassar esse reajuste integral porque também estão deficitárias. Mas hoje nós conseguimos sentar e debater a partir de um único número. Acabou aquela história de nós produtores levarmos um índice e a agroindústria, outro. Com a mesma planilha, no ano passado, mesmo em tempos de prejuízo da atividade, tivemos ganhos dentro das reuniões da Cadec. Não é o ganho que esperávamos, mas quando a crise reverter, assim como fomos parceiros na hora dos prejuízos, vamos reivindicar que sejamos parceiros nos lucros”, resume Favero.
Quem também participa das reuniões de Cadec no Oeste do Paraná é a suinocultora Ana Cristina Schneider Scheaedler, de Toledo, que tem um sistema produtivo integrado para produzir leitões e engordá-los até cerca de 23 quilos. O aumento nos custos tem feito seu faturamento diminuir em torno de 15%, mas com transparência e diálogo junto à agroindústria, a sensação na região tem sido de apertar os cintos até que venham dias melhores.
“É uma queda significativa na receita. Mas a situação seria pior se não tivesse a Cadec com nossas reivindicações por aumento. Conseguimos reajustes que hoje fazem muita diferença no contexto de crise que estamos vivendo”, revela Ana Cristina.
Em Dois Vizinhos, na Região Sudoeste, o produtor Miguel Thomas tem uma granja com 650 matrizes na mesma modalidade de Ana. O suinocultor também cita como um dos principais avanços a unificação da planilha de custos dos produtores e da agroindústria no âmbito da Cadec. “Quando foi unificada a forma de obter os números tudo começou a melhorar, porque a empresa visualiza as defasagens que temos. Conseguimos reduzir os prejuízos, de 30% de defasagem num primeiro momento e para 10% agora. Hoje nós não estamos sentindo tanto a crise”, celebra Thomas.
Lei da Integração
O Sistema FAEP/SENAR-PR foi uma das principais entidades representativas do agronegócio nacional a encampar a ideia da criação, no Congresso Nacional, da chamada Lei da Integração (13.288/2016), que completou seis anos em maio de 2022. A ferramenta cria fóruns equilibrados que possuem representantes das agroindústrias e dos produtores para criar consensos nas grandes questões envolvidas na cadeia produtiva, incluindo os valores de repasse a pecuaristas das cadeias integradas – entre elas a suinocultura. Atualmente, o Paraná possui seis Cadecs na área de suinocultura.
Historicamente, o Sistema FAEP/SENAR-PR investiu esforços nesse sentido, tornando o Estado um exemplo para o Brasil. Há, por exemplo, um núcleo que reúne todas as comissões do Estado. Essa instância faz todo tipo de assessoramento às Cadecs, desde a realização de assembleias no interior tirando dúvidas sobre as comissões, auxiliando produtores na elaboração do regimento interno e subsidiando-os com informações técnicas para negociações com a agroindústria.
“Essa união de esforços é um ponto-chave para nos mantermos firmes na atividade. Conseguimos evoluir nisso com grande apoio da FAEP. No início, a gente não tinha experiência em termos de custo de produção, na realização de reuniões, então contamos com ajuda da Federação, que continua nos assessorando no diálogo com as empresas e no que mais precisarmos”, conta o suinocultor Miguel Thomas, de Dois Vizinhos.