Influenciado por diversas variáveis internas e externas, a pecuária de corte brasileira caminha de maneira incomum ao longo deste ano, e deve quebrar alguns recordes em 2022. Nos meses de agosto e setembro, por exemplo, as exportações de carne bovina brasileira registraram o maior volume e o maior faturamento de toda série histórica. Entre janeiro e setembro, foram 1,5 milhão de toneladas embarcadas, que tiveram como principal destino a China (mais de 60% do total exportado). Nesse período, o faturamento do setor foi de US$ 9,1 bilhões para carne bovina (fresca, refrigerada e congelada). Já no mercado doméstico, o cenário é o oposto. A demanda vem encolhendo diante de um cenário de preços altos e poder aquisitivo baixo por parte da população.
“O mercado interno vem andando devagar. Ainda nem vimos a queda do preço da arroba do boi gordo chegar na ponta do consumidor, pois o valor da arroba está diminuindo [nos preços pagos aos pecuaristas], mas no supermercado não. O varejo ainda está mantendo suas margens. Isso impacta diretamente no consumo”, observa o engenheiro agrônomo e analista de mercado da Scot Consultoria, Pedro Gonçalves.
Segundo o especialista, ao longo de 2022, o câmbio acabou favorecendo as exportações. “A China veio com uma fome grande, principalmente no começo do ano, quando precisavam comprar carne para aproveitar seus feriados. Outra questão foi o surto de peste suína africana, que dizimou o plantel suíno e levou o país a buscar outras proteínas”, diz Gonçalves.
O animal brasileiro é, em grande medida, alimentado a pasto, o que o torna mais competitivo em um cenário em que os insumos para a alimentação (soja e milho, principalmente) estão bastante valorizados no mercado internacional.
Por outro lado, a cotação da arroba do boi gordo tem se mostrado instável no mercado interno. De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), ao longo de 2022, o preço vinha oscilando acima dos R$ 300. Essa pressão vem principalmente da fraca demanda interna, que tem feito com que frigoríficos limitem as compras de lotes de animais para abate.
“No consumo [da carne bovina] do Brasil, 80% são mercado interno. Exportam-se os outros 20%, mas é esse [percentual] que regula o preço”, explica o pecuarista, presidente do Sindicato Rural de Guarapuava e presidente da Comissão Técnica (CT) de Bovinocultura de Corte da FAEP, Rodolpho Botelho. Dessa forma, o apetite internacional acaba inflacionando também o preço do bife no prato do consumidor brasileiro. “Provavelmente em função do baixo poder aquisitivo e do aumento no custo de vida, não tivemos demanda maior no mercado interno”, observa o dirigente.
Para Gonçalves, da Scot Consultoria, a expectativa é que o consumo interno melhore com a chegada da Copa do Mundo e as festas de final de ano.
Gestão
Dentro da porteira, a solução para atravessar um período de inseguranças (e eventuais oportunidades) está na gestão do negócio. No caso do engenheiro agrônomo e produtor rural Marcos Minghini, de Ribeirão Claro, na região do Norte Pioneiro, a percepção é de que os custos de produção aumentaram substancialmente nos últimos tempos, fruto de um cenário de incertezas no mercado internacional, influenciado pelos conflitos armados no Mar Negro e os efeitos colaterais da pandemia. “Isso gera uma necessidade maior do que o normal de um controle de custos rígidos e de trabalhar a gestão na propriedade”, observa.
No caso do produtor de Ribeirão Claro, uma vez por mês, um consultor especializado cruza os dados zootécnicos do rebanho com os dados de planejamento da propriedade. “A nossa proposta é trabalhar com custos baixos, explorando pastagens de boa qualidade”, afirma Minghini, que atua com o ciclo completo (cria, recria e engorda) em sistema semi-intensivo, com confinamento utilizado de forma complementar para não sobrecarregar as pastagens.
Diante de um cenário repleto de incertezas dentro e fora do país, este ano, Minghini mudou a estratégia de aquisição dos insumos e antecipou a compra de ração para confinamento. “Sabia quanto aquele insumo iria custar lá na frente. Também antecipei a compra dos insumos para produção de milho”, revela. “É importante conhecer seus custos e fazer a gestão da sua propriedade para sofrer menos com as oscilações de mercado”, completa.
Essa receita é mais do que indicada, principalmente em um cenário em que mesmo o curto e médio prazos ainda são nebulosos, segundo especialistas. “O comportamento da China vai ser uma incógnita em 2023. A meta era recuperar seu plantel suíno. Caso isso ocorra, vai continuar comprando do Brasil? Por outro lado, a carne bovina brasileira caiu no gosto do consumidor chinês. Acredito que devem continuar sendo nosso principal parceiro”, analisa Gonçalves, da Scot. “Quando pensamos no mercado interno, 2023 pode ser de preços mais pressionados com o aumento dos animais ofertados. Na sequência pode faltar bezerro, quando chegar a época de reposição. Sem animais, pode ser que volte a crescer o preço da arroba”, complementa.
“Não acredito que vá faltar bezerro, pois temos uma produção grande de animais reprodutivos. Se a primavera e o verão correrem bem, teremos oferta razoável em 2023. Pode acontecer de o preço da arroba começar a reagir por uma oferta menor de animais. O abate de fêmeas ainda não chegou no pico. Quando chegar perto de 47% dos abates sendo fêmeas, começa a tendência de reverter o preço da arroba”, observa Botelho, da CT da FAEP.
Vocação paranaense
A bovinocultura de corte paranaense tem como diferencial a qualidade da sua carne. Como o Estado não dispõe de grandes áreas para produção animal, a opção dos pecuaristas é investir em tecnologia, genética, manejo e alimentação, de modo a ter um produto diferenciado. “Nossa vocação é produzir carnes nobres e atender nichos diferenciados. Quando se trabalha com nichos de carnes superiores, público com poder aquisitivo maior, a influência externa acaba sendo menor”, observa Minghini, ao referir-se ao processo inflacionário e o aumento no custo de vida que tiraram a carne bovina do prato de parte da população brasileira.
Outra questão que merece atenção é a necessidade de ampliar as exportações da carne bovina paranaense. “Temos gado bom, tecnologia, conquistamos o status de área livre de febre aftosa sem vacinação, mas faltam plantas frigoríficas exportadoras”, observa Minghini.
A opinião do presidente da CT de Bovinocultura de Corte da FAEP vai na mesma direção. “Esse é um grande problema do Paraná, na cadeia produtiva, o frigorífico, elo final, é pouco ativo na exportação. No Estado existem nichos de produção de carne de excelente qualidade, mas poucos acessam esse mercado externo. Falta conquistar novos mercados, mas, para isso, é preciso volume, oferta constante e com qualidade”, finaliza Botelho.
Por André Amorim/FAEP