Boa parte do trigo que consumimos no Brasil vem de fora, tanto para o mercado consumidor de panificação, quanto para rações e para produção de proteína animal, o que faz o Brasil buscar nos últimos anos meios de ser autossuficiente em trigo. Apesar de o cereal continuar se destacando entre as safras mais importantes do país, em 2022 produzimos apenas 9,5 milhões de toneladas dos 13 milhões que consumimos, segundo dados do 3º Levantamento da Safra de Grãos divulgado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Ou seja, nas últimas safras, ainda fomos obrigados tirar dinheiro do bolso para suprir a carência interna.
Mas o mercado brasileiro apresenta crescimento. “O abastecimento mundial está regular e o Brasil plantou, em 2023, a sua maior safra de trigo da história”, destacou o presidente da Coopavel, cooperativa localizada no Oeste do Paraná, Dilvo Grolli. Diante do atual cenário, ele prevê uma colheita de 10,5 milhões a 12 milhões de toneladas.
A grande dependência de nossos vizinhos argentinos, que produzem boa parte do trigo que importamos, também é um fator de alerta. Na última safra, por exemplo, eles tiveram uma grande quebra, que acabou não influenciando negativamente o Brasil em função de o país possuir estoques regulares.
Em 2022, o Brasil desembarcou cerca de 5,7 milhões de toneladas do cereal, sendo que 71% desse volume foi ofertado pela Argentina. A importação deste produto da Argentina é estratégica para o Brasil, já que a cultura produzida no país vizinho tem um custo mais baixo devido à proximidade geográfica e à facilidade de transporte.
Por isso, há anos o Brasil já busca maneiras de ser autosustentável nessa demanda e alguns fatores, como a guerra na Ucrânia, acendeu de vez o alerta da gravidade da situação de ser dependende em um setor tão estratégico para o país. Para se ter uma idéia da importância da Rússia e da Ucrânia no mercado de milho, basta olhar os números: os dois países foram responsáveis por 30% das exportações mundiais de trigo de 2018/19 a 2021/22.
Agora, diversos fatores indicam que essa realidade caminha para mudar muito em breve. Paraná e Rio Grande do Sul lideram o ranking nacional de produtividade do cereal, porém, o crescimento de área nesses Estados depende de novas tecnologias e da aposta do produtor rural na cultura. No Paraná, o clima é um fator que desestimula o trigo, que sofre com geadas em momentos errados e, alguns casos, excesso de umidade na colheita.
O cerrado também se abre como nova fronteira agrícola para o cereal, graças ao trabalho da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que desenvolveu variedades adaptadas para a região. A empresa mostrou na Tecnoshow, realizada em Rio Verde/GO, no mês de abril, duas variedades de trigo adaptadas ao clima do cerrado brasileiro que prometem revolucionar o plantio na região: A BRS 404 e a BRS 264. Ambas variedades foram lançadas para plantio em 2023 nos Estados do DF, MG, GO e MT.
Segundo José Maria Camargo, analista da Embrapa Cerrados, a BRS 264 é uma variedade irrigada, super precoce e tem alto potencial de produção. , "Chegamos a registrar uma produtividade de 9.600 kg por hectare no Oeste goiano", comemora o pesquisador.
Com as novas variedades da Embrapa adaptadas ao Cerrado brasileiro, já chegamos a registrar uma produtividade de 9.600 kg por hectare no Oeste goiano
José Maria Camargo, analista da Embrapa Cerrados,
"Já a BRS 404 é um trigo precoce, que pode ser plantado como safrinha no cerrado, produzindo até 40 sc por hectare. Essa variedade vem suprir uma necessidade do produtor da região, que precisa plantar alguma cultura depois de colher a soja". Outra vantagem da variedade, segundo José Maria Camargo, é a resistência ao Brusone, uma doença causada pelo fungo Pyricularia grisea, que muito atrapalha a vida do produtor de trigo.
O fator preço incentiva o aumento da produtividade brasileira, pois o produtor acaba apostando mais na cultura. Dados do Cepea mostram que, de 2021 para 2022, os valores médios do trigo no mercado de lotes (negociação entre empresas) subiram 21,8% no Rio Grande do Sul, 20,7% em Santa Catarina, 20,2% no Paraná e 18,4% em São Paulo. O valor pago ao produtor registrou alta de 18,8% no ano.
A baixa oferta tem como fatores a quebra argentina e o conflito no Mar Negro. Soma-se o fato de que na segunda metade de 2022, o clima prejudicou ainda a produção da União Europeia, Índia e Argentina, e a Ucrânia limitou o cultivo do cereal em função da guerra.
Ainda segundo o CEPEA, mesmo diante da colheita recorde de trigo no Brasil, os valores de negociação do cereal operaram em patamares máximos da série histórica em 2022 e, em algumas regiões, as cotações atingiram recordes reais, o que incentiva os produtores rurais a apostarem na cultura.
Rubens Barbosa, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), em entrevista para o Portal Rural News, afirmou que a entidade está otimista quanto a possibilidade de autossuficiência. “A Embrapa acha que em cinco anos chegaremos ao nosso objetivo. Porém, eu acho que ainda levaremos até dez anos alcançaremos a autossuficiência", comenta Rubens Barbosa.
“Em 2022 tivemos um aumento de 23,7% em relação à safra passada. Provavelmente se continuarmos aumentando o plantio do trigo em 2024, o Brasil será autossuficiente, pois o nosso consumo está em 13 milhões de toneladas do grão”, salienta o líder cooperativista Dilvo Grolli.
Se por um lado as estimativas são das melhores no Brasil, do outro, no caso no país vizinho Argentina, o cenário não é dos mais animadores. Estudo recente apresentado pela agtech SIMA – Sistema integrado de Monitoramento Agrícola mostra que o rendimento do cereal caiu 35% na última safra deles. Definitivamente, elas não têm sido fáceis para os agricultores argentinos.
As adversidades climáticas e os ataques vorazes das pragas mostram a vulnerabilidade da cultura. A questão é que ainda o Brasil está à mercê desse trigo. Por intermédio de um monitoramento feito em uma área de seis milhões de hectares, englobando oito países latino-americanos, foi possível observar o desempenho do trigo nas lavouras e a realidade absoluta desse importante grão.
A seca que castigou a produção argentina está ligada diretamente ao fenômeno climático La Niña, caracterizado pelo resfriamento anormal das águas do Oceano Pacífico Equatorial, afetando diretamente o regime de chuvas. Conforme os dados apurados, a produtividade média dos produtores foi de 2.800 kg/ha de trigo.
As plantas daninhas também respondem por boa fatia dos prejuízos, com maior presença da buva, detectada em mais de 20% do monitoramento realizado. Essa foi a praga dominante nas últimas três safras argentinas.