Tragédia acende alerta sobre o autocontrole e o impacto da proposta de privatização das inspeções em alimentos destinados ao consumo humano
A morte de 645 cavalos que consumiram uma ração contaminada da marca Nutratta Nutrição Animal Ltda reforçou as preocupações do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical) quanto à fragilidade da fiscalização agropecuária no Brasil. Só no estado de São Paulo, foram registrados 287 óbitos causados por uma toxina capaz de provocar falência hepática e sintomas neurológicos irreversíveis em equinos, suínos, bovinos e até cães.
Segundo o Anffa Sindical, a tragédia evidencia os riscos do modelo de autocontrole e da escassez de profissionais para fiscalizar os estabelecimentos do setor. A entidade também alerta para o projeto do governo federal que prevê a privatização das inspeções ante mortem e post mortem de animais destinados ao abate e consumo humano, o que, segundo o sindicato, pode comprometer a segurança alimentar da população.
A contaminação foi causada por monocratalina, uma toxina produzida por plantas do gênero Crotalaria. Os equinos, alojados em haras de seis estados — São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Bahia e Alagoas — apresentaram sintomas como agressividade súbita, desorientação, distúrbios do sono, dificuldade de locomoção e comportamentos associados à demência.
Para o presidente do Anffa Sindical, Janus Pablo Macedo, o episódio mostra a importância de uma fiscalização agropecuária contínua e independente. “Essa é uma missão de Estado que não pode ser delegada a terceiros, sob pena de causar prejuízos vultuosos para o país”, afirmou.
A entidade aponta que a combinação entre o número insuficiente de auditores fiscais e a baixa frequência de inspeções em estabelecimentos que operam com base no autocontrole representa um risco adicional. Além disso, ressalta a fragilidade das sanções previstas na legislação, como a aplicação de multas e medidas cautelares.
A proposta de mudança nas regras de fiscalização permitiria que frigoríficos contratassem empresas privadas para realizar as inspeções, o que, segundo o sindicato, criaria um cenário de conflito de interesses. O modelo é considerado arriscado tanto para a saúde pública interna quanto para a reputação do Brasil no mercado internacional.
“A morte dos cavalos é apenas um exemplo dos prejuízos econômicos, afetivos e genéticos que podem advir de uma fiscalização agropecuária deficiente. Estamos falando da proteção à saúde pública, da integridade dos alimentos e da preservação da credibilidade do Brasil como exportador”, declarou Janus Pablo Macedo. Para ele, transferir funções exclusivas do Estado para empresas privadas que mantêm vínculos com os próprios fiscalizados compromete a segurança do sistema como um todo.