Hoje com, 74 anos, o pioneiro cascavelense Dércio Galafassi vive em um apartamento no centro de Cascavel. Foi ali, junto com o Neto João Gabriel e do filho Daniel, que ele nos recebeu para contar um pouco da história do início da eletrificação rural na região de Cascavel.
Nascido em São Francisco de Paula/RS em 23 de julho de 1935, chegou em Cascavel em 1948 com seus pais, Florêncio e Emília Galafassi, filhos de imigrantes italianos da serra gaucha, que vieram para trabalhar para a Industrial Madeireira Ltda.
Dércio conta que ao chegar em Cascavel, a sua mãe Emília ficou assustada com a falta de estrutura do local. "Velho, o que estamos fazendo nesse lugar? Aqui está cheio de pó, não tem energia elétrica, não tem água potável… Só tem pó e barro!", teria perguntado ao marido. Mas logo o casal começou a desenvolver um papel revelante no pequeno povoado.
A cidade vivia o ciclo da madeira. A Industrial Madeireira tinha 500 mil pinheiros em 26 mil alqueires. A Industrial Madeireira era a maior empresa da regiao Oeste do Parana, com porto de exportação em Foz do Iguaçu. Em Cascavel, tinha duas serrarias: a Central e a São Domingos, que após incêndio em 1980 foi substituída pela Serraria Tesouro, que ficava onde hoje é Reassentamento São Francisco, às margens da BR 369.
Cascavel, ao contrário de Toledo, Marechal Cândido Rondon e inúmeras outras da região, não foi planejada. Tornou-se um pequeno povoado a partir da década de 30 graças a um pouso de tropeiros liderado pelo comerciante guarapuavano José Silvério de Oliveira, o Nhô Jeca. Ele instalou uma bodega na região que era chamada de Encruzilhada, que foi o marco inicial de Cascavel. A emancipação viria somente em 15 de novembro de 1951.
Foi em Cascavel que Dércio conheceu a esposa Darlene Gomes, em 1959, com a qual ficou casado 51 anos, até ela falecer. Com ela teve quatro filhos: Daniel Roberto, Rita Silvana, Edmilson Antônio e Marta Cristiane. Estes lhe deram seis netos: João Gabriel, Leonardo, Henrique, Laura, Rafael e Marina; e um bisneto, Bernardo.
Nessa época também chegaram as primeiras famílias pioneiras vindas do Rio Grande do Sul, como os Sarolli, Rebelato, Bresolin e Bilibio, que fundaram serrarias. "Cascavel tinha tanto pinheiro que chegou ao ponto de ter cerca de 150 serrarias. Na época a extensão territorial da cidade era de mais de 5 mil km quadrados, indo do Rio Piquiri ao Rio Iguaçu, tudo mata virgem", afirma Dércio. Para se ter idéia, nesta mesma área hoje existem 14 novos municípios.
Um dos grande problemas de Cascavel na década 50 era a violência e brutalidade pelas questões de terras. "Ao contrário de Toledo, Medianeira e outros municípios onde as colonizadoras gaúchas titularam os terrenos e tinham as áreas bem definidas, em Cascavel havia muita terra devoluta do Estado, o que levava as discussões para serem decididas a ferro e fogo", diz Dércio.
Ele explica que o Estado não titulava as terras, então a maioria tinha problemas. "Vendiam terras que já tinha posseiros, famílias morando. Aí quando o comprador chegava com o titulo de propriedade, aconteciam os problemas. No fim, o proprietário contratava jagunços para tirar os posseiros e o resultado era muita mortes e brutalidade. Aqui era terra de bandido", lamenta.
Mas aos poucos as coisa foram melhorando, principalmente no governo Ney Braga, na década de 60, que prometeu que no dia seguinte da sua eleição iria enviar uma corporação para resolver o problema da bandidagem em Cascavel. E assim o fez.
Mas foi em 1956 que começou a questão da energia elétrica, que não existia no município. Dércio então foi nomeado pelo seu cunhado Helberto Schwartz, prefeiot de 56 a 60, como chefe do serviço de luz, que nem existia.
"Tivemos a idéia de descobrir um salto de água para fazer uma usina. Mas tudo aqui era mata virgem. Reunimos então caçadores para achar um local que atendesse a nossa necessidade. E tudo era difícil, pois não haviam estradas. Cascavel era só o núcleo e parte do distrito de São Joâo, que havia sido colonizado por poloneses.
Um dia o sogro de Dércio chegou falando que estava abrindo a Fazenda Santa Terezinha, próxima ao Rio Melissa e o local parecia bom para a usina. "O engenheiro eletricista foi lá, aprovou o local e iniciamos a construir a usina".
O cunhado prefeito recebeu uma verba do Governo Federal e contratou uma empresa de Joaçaba para fornecer os equipamentos, turbinas, geradores e tudo mais. Outra empresa ficou responsável pela construção civil.
"Me dediquei exclusivamente para a construção da usina de Melissa. Começamos em 1958. Foi a época que mais trabalhei em Cascavel, gerenciando a usina e dirigindo o serviço de luz. Porém, tudo era muito demorado e a usina não saía do papel.
Quando o governador Ney Braga assumiu mandato de 61 a 65 fez uma reunião com engenheiros da obra e disse que estava cansado de saber que a usina não saía do papel e estava parada por falta de recursos. A usina pertencia ao Estado, ao Departamento de Água e Energia Elétrica e o governador a passou para os cuidados da Copel. "Agora não vai faltar dinheiro", afirmara Ney Braga. "Quero ver essa obra pronta o quanto antes. Se não sair agora, vocês vão todos para rua, vão ser dispensado", se irritou.
"Porém, quando terminamos a usina ela já não cumpria seu papel, pois a necessidade de energia elétrica de Cascavel era muito maior", conta. O problema só foi resolvido quando o goverandor Paulo Pimentel assumiu em 1966 e trouxe motores potentes para auxiliar na geração de energia da Usina de Melissa.
"Daí sim ela atendeu a demanda, até que entraram em operação as usinas do Rio Iguaçu, o que acabou de vez com o o problema da energia elétrica em Cascavel", diz. E a usina de Melissa funciona até hoje.
"A época do governo Ney Braga foi o período que mais me dediquei à vida pública. Nós éramos do PDS, contrários ao governador, porém, me mantiveram. Fiquei no cargo até a usina e o serviço de energia elétrica ser passada para a Copel. Daí fiquei dirigindo somente a usina em nome da Copel, que tinha o Pedro Viriato Parigot de Souza como presidente. Ele chegou até a ser governador do Estado no período de 1971 a 1973. E teve boas referência sobre mim.", diz Dércio.
Se tornar a usina operacional foi difícil, pior ainda foi levar a energia elétrica às propriedades rurais. "Era muita dificiuldade. Tínhamos que abrir a clareira da rede transmissão, mas tudo era mata virgem. Tivemos que contratar agricultores para tirar madeiras para fazer o posteamento. Mas os postes de madeira se revelaram um problema tempos depois, pois os agricultores começaram a abrir áreas através de queimadas para fazer lavoura. E junto queimava os postes de energia elétrica", lembra o pioneiro.
No auge do ciclo da madeira, 60% da população de Cascavel era do interior. "Então, no final da década de 70 o pessoal começou a reividicar melhorias: escolas, estradas e, a principal: energia elétrica", conta Dércio.
"Ele chegou até a instalar seu governo provisoriamente no município. Ele disse: já sei que vocês querem energia rural. Então vão fazer levantamento que vou pedir para a Copel auxiliar vocês na eletrificação da área rural", conta Dércio.
"Eu era vereador e vários outros colegas já tinhas regiões definidas para trabalhar. Eu peguei a linha Peroba, Rio da Paz, Gramadinho, Fazenda Jangada e Rio Diamante, que estavam numa região que eu me identificava bem", conta. Dércio foi vereador por dois mandatos, o primeiro de 1977 a 1982 e o segundo de 1982 a 1988, pela Arena.
A energia elétrica na área rural foi um grande beneficio, foi fundamental para impulsionar o agro e que trouxe muito progresso para a região. "Hoje, 100% da área rural de Cascavel possui energia elétrica", comemora o pioneiro.
Dércio Galafassi olha hoje para Cascavel e se impressiona com o crescimento da cidade.
"Cascavel é imprevisível! Não sabemos a que devemos tanto desenvolvimento. Aqui a medicina tem um avanço extraordinário. Isso sem falar no agronegócio, na agroindústria", se espanta. Dércio afirma que hoje o crescimento da cidade é vertical.
"No inicio era horizontalmente, mas hoje temos que olhar pra cima para ver a cidade crescendo. São muitos edifícios novos, faculdades, grandes empresas. É um orgulho poder testemunhar isso", finaliza o pioneiro.
Em 2019 a família Galafassi lançou um livro para contar um pouco a sua história. A obra retrata ao mesmo tempo o desenvolvimento de Cascavel, a vinda do patriarca do Rio Grande do Sul e a história do Tuiuti Esporte Clube, do qual a família foi fundadora em 1949 e Dércio jogador de futebol por muitos anos.
O livro tem encadernação em capa dura e 194 páginas. Registro histórico, a obra traz fotografias antigas, relatos de pioneiros e recortes de jornais e revistas da época.