*Felipe Rainato Silva
O Brasil, um dos maiores produtores mundiais de biocombustíveis, está diante de uma nova era no setor aéreo: a implementação gradual de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, na sigla em inglês).
Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei dos “combustíveis do futuro”, que cria o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação, visando incentivar a pesquisa, a produção, a comercialização e o uso do combustível sustentável de aviação. O PL 528/20 propôs metas ambiciosas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa nos voos domésticos, começando com uma redução de 1% em 2027 e aumentando para 10% até 2037.
Se for sancionado e promulgado, o PL passa a ter força de lei e representará um marco significativo na transição para uma aviação mais sustentável no país. No caso específico do PL 528/20 criará obrigações legais para os operadores aéreos e, possivelmente, para órgãos reguladores, como a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). Isso porque a ANP terá que regulamentar aspectos relacionados à qualidade, à produção, ao armazenamento e à distribuição de SAF, enquanto a ANAC precisará estabelecer normas específicas para o uso de SAF na aviação civil, incluindo certificações de aeronaves e operadores, a partir das definições em discussão no âmbito do CORSIA/OACI (Esquema de Compensação e Redução de Carbono para Aviação Internacional, da Organização Civil Internacional) e da IATA (Associação do Transporte Aéreo Internacional). Também não se pode descartar a contribuição de outros órgãos e agentes públicos e privados para o estabelecimento de padrões técnicos de qualidade, segurança, normalização e definições fiscais.
Portanto, além da aprovação legislativa, a implementação efetiva do PL 528/20 dependerá da elaboração e cumprimento de etapas regulatórias para viabilizar a transição para o uso de biocombustíveis na aviação doméstica no Brasil.
O PL 528/20 representa um passo significativo na direção certa, porque estabelece metas claras e graduais para a redução das emissões de gases do efeito estufa na aviação doméstica, incentiva investimentos em tecnologias limpas e promove a inovação no setor. Além disso, proporciona segurança jurídica e previsibilidade para os investidores e os operadores do setor. No entanto, para ser eficaz, é importante um planejamento detalhado e colaborativo entre governo, indústria, companhias aéreas, instituições de pesquisa e sociedade civil. A cooperação internacional também é fundamental, considerando que a aviação é um setor globalizado.
O SAF apresenta diversas oportunidades e desafios para o Brasil, considerando especialmente o contexto atual de transição energética e necessidades de redução de emissões de gases de efeito estufa. Há ainda as questões legais para as empresas que queiram explorar esse mercado no Brasil e contribuir para o desenvolvimento sustentável do setor, que, por si só, é complexo e dinâmico.
Os desafios são grandes. Além da regulamentação clara e consistente, garantindo a segurança, a eficiência e a sustentabilidade dos biocombustíveis, são necessárias diversas certificações de sustentabilidade para garantir a conformidade com padrões ambientais internacionais. Além disso, ainda esbarramos em três fatores cruciais para que o SAF se torne realidade: custo, infraestrutura e distribuição. Atualmente, os biocombustíveis sustentáveis de aviação são mais caros do que os combustíveis fósseis tradicionais. Reduzir os custos de produção é essencial para tornar o SAF economicamente viável em larga escala. Também é necessário desenvolver uma infraestrutura robusta para a produção, armazenamento, transporte e distribuição de SAF. Isso inclui adaptações nos sistemas logísticos existentes e novos investimentos em infraestrutura.
Se os desafios são grandes, as oportunidades para esse mercado também são. O Brasil é um dos líderes mundiais na produção de biocombustíveis, como o biodiesel e o etanol. Isso coloca o país em uma posição estratégica para expandir sua expertise para a produção de SAF, aproveitando suas vastas áreas agrícolas e climas favoráveis. Outro ponto benéfico é que a produção de SAF pode representar uma nova fonte de receita para agricultores e produtores rurais, auxiliando na diversificação da economia agrícola e reduzindo a dependência de culturas tradicionais. Além disso, países e empresas que buscam reduzir suas pegadas de carbono estão cada vez mais interessados em biocombustíveis sustentáveis, e o Brasil pode aproveitar esse mercado crescente, exportando SAF, que também pode gerar investimentos em pesquisa, impulsionando a inovação tecnológica, criando oportunidades de emprego e fortalecendo o setor industrial de bioenergia.
O Brasil está diante de uma oportunidade histórica de liderar a transição global para uma aviação mais sustentável através do uso de SAF. Embora haja desafios significativos a serem superados, como custos elevados e infraestrutura limitada, o país possui os recursos naturais e a capacidade industrial necessária para se destacar nesse campo. O PL 528/20 é um primeiro passo para transformar essas oportunidades em realidade, estabelecendo metas claras e incentivando a inovação e o investimento no setor de biocombustíveis de aviação.
*Felipe Rainato Silva é advogado e coordenador da área de Comércio Internacional do Escritório HONDATAR Advogados