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Fertilizantes 30-03-2022 | 15:45:00

Jazidas e bioinsumos minimizam falta de fertilizante estrangeiro

Guerra entre Rússia e Ucrânia causa instabilidade no fornecimento, expõe dependência nacional e aponta caminhos para reduzir impactos e perdas de produtividade


Por: FAEP (Federa


O Paraná recebe uma fatia significativa dos insumos NPK (nitrogênio, fósforo e potássio) do exterior, sendo o terceiro Estado que mais importa adubos e fertilizantes de outros países. Em 2021, cerca de 3,5 milhões de toneladas chegaram às lavouras paranaenses. A China e a Rússia foram as maiores fornecedoras de nitrogênio, com 32,7% e 22,5%, respectivamente. Já o potássio, 29,6% provêm do Canadá, 25,4% da Bielorússia e 21,3% da Rússia; e o fósforo, 45,3% da China e 29,1% do Egito.
“Com as sanções impostas pelo Ocidente à Rússia, a oferta de fertilizantes pode ser comprometida no Estado. A China é um exportador que merece atenção, visto que sua política protecionista segura matérias-primas no mercado interno, principalmente gás natural e petróleo, encarecendo os fertilizantes nitrogenados. A Bielorrússia é um aliado histórico da Rússia e sofre as mesmas sanções do Ocidente, o que compromete a importação de potássio”, destaca Bruno Vizioli, técnico do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR.

Diante deste cenário delicado, agricultores já se preocupam com a possibilidade de faltar fertilizantes no mercado. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o estoque brasileiro é suficiente para o plantio até outubro, quando começa a safra de verão. Enquanto isso, o órgão tem se mobilizado para tentar garantir o suprimento ao setor. Uma das alternativas seria o estabelecimento de novos fornecedores e aumento das importações de potássio do Canadá, que detém 33% da produção mundial.

Para Maísa Romanello, especialista de mercado da consultoria Safras & Mercado, como a demanda brasileira para a próxima safra não coincide com a dos países do Hemisfério Norte, isso aumenta as chances da disponibilidade de potássio. “A questão mesmo é o preço, já que agora existe um monopólio por parte do Canadá”, elenca. “O potássio é importante para todas as culturas agrícolas. É um nutriente que não fica armazenado no solo, sofre lixiviação [perda de nutriente no solo] e precisa ser colocado em maiores quantidades para ter os índices de produtividade esperados”, acrescenta Maísa.
Na avaliação de César Castro, especialista em commodities da Consultoria Agro do Itaú BBA, ainda que seja uma solução parcial, é improvável que o Canadá consiga suprir a demanda mundial de potássio e compensar a saída da Rússia e da Bielorússia do mercado. Ainda, Castro não descarta a possibilidade de faltar fertilizantes para a safra de verão.

“Mesmo que a guerra termine, aparentemente as sanções seguirão. Claro que alimentos, commodities, energia e fertilizantes têm ficado de fora das sanções, mas existem várias dificuldades de operacionalizar isso, como sistemas de pagamentos e relações de confiança entre compradores e vendedores, que ficaram abaladas. Ainda há uma série de incertezas. No entanto, qualquer problema vai refletir somente em 2023”, analisa Castro.

Uso de dejetos animais
Enquanto o governo federal não estabelece novos acordos, o setor agrícola se mobiliza para avaliar opções para driblar o cenário de escassez. O uso de bioinsumos de origem animal tem sido considerado uma alternativa viável para mitigar os riscos de uma possível falta de fertilizantes NPK, principalmente em regiões polos suinícolas, avícolas e leiteiras.

Os dejetos produzidos pela suinocultura já são utilizados como biofertilizantes em diversas localidades do Paraná. No entanto, o potencial produtivo ainda está longe de ser integralmente explorado. Em 2020, de acordo com dados do Volume Bruto de Produção (VBP) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (Seab), foram comercializadas 7,2 milhões de toneladas de esterco suíno e bovino, 15,5% da produção total de 47 milhões de toneladas.

Em relação às camas de aviário, considerando 12 aves alojadas por m², em um ano são produzidos mais de 14,9 milhões de toneladas de dejetos. Deste volume, apenas 20,2% foram comercializados. “No cenário de redução da oferta de fertilizantes, o uso de dejetos para adubação pode reduzir a pressão sobre os importados”, aponta Vizioli, do DTE do Sistema FAEP/SENAR-PR.
A partir desta perspectiva que Douglas Leonardo Derengoski, gerente de uma propriedade de 1,2 mil hectares em Paulo Frontin, na região Sul do Estado, adotou o uso de camas de aviário na lavoura de soja. A primeira experiência está sento nesta safra, com resultados satisfatórios.


“Estamos usando [cama de aviário] para compor com fertilizantes químicos. A gente usa agricultura de precisão, identifica pontos que necessitam reforço e aplica a cama de aviário. Nestes talhões estamos colhendo 80 sacas por hectare”, conta Derengoski.


Apesar de o planejamento ser ampliar o uso de bioinsumos, o gerente não sabe se vai encontrar produtos no mercado. Atualmente faltam indústrias especializadas na venda de camas de aviário. “Existe uma dificuldade de abrir canais, identificar fornecedores. Mesmo assim, queremos, aos poucos, modificar o manejo na propriedade, e diminuir a dependência dos insumos químicos”, destaca.


Além dos benefícios econômicos, a possibilidade de gerar insumos por meio de resíduos da pecuária paranaense permitiria reduzir o impacto ambiental em relação à destinação dos dejetos, reduzindo emissões de carbono e metano. Essa alternativa, inclusive, vai ao encontro da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída em 2010 pela Lei 12.305, que determina a destinação correta e tratamento dos resíduos gerados ao longo das cadeias produtivas.


No caso da suinocultura, muitos produtores utilizam o dejeto líquido diretamente no solo como fertilizante. Outros usam biodigestores para a produção de biogás e geração de energia, cujo processamento gera, pelo menos, 80% do volume de dejeto inicial em resíduo que pode vir a ser utilizado como fertilizante (digestrato).


Desde 2006, José Carlos Colombari, produtor e presidente do Sindicato Rural de São Miguel do Iguaçu, na região Oeste do Paraná, possui dois biodigestores instalados na propriedade. A partir dos dejetos de 5 mil suínos em fase de terminação, são produzidos 50 m³ de biofertilizantes por dia, 100% aplicados sob sistema de fertirrigação em uma área de pastagens de 42 hectares, onde é mantido um rebanho de gado de corte em semiconfinamento.


“As pastagens foram recuperadas e são adubadas apenas com os biofertilizantes. Resultado disso é que somos 10 vezes mais eficientes que a média nacional. Enquanto o Brasil coloca um animal por hectare, conseguimos trabalhar com 10 por hectare, na média do ano”, afirma Colombari.


O projeto dos biodigestores na propriedade começou a partir da preocupação em reduzir o passivo ambiental. De 1997 a 2004, a suinocultura na propriedade de Colombari cresceu de 600 para 2 mil animais, causando também um aumento no volume de dejetos produzido. “Antes do biodigestor, os dejetos costumavam ficar a céu aberto, com período de armazenamento de 60 a 90 dias para a fermentação. Mas, como o volume era grande, trazia bastante desconforto para quem vivia e trabalhava na propriedade. A qualidade de vida melhorou com o tratamento dos dejetos. Não temos mais odor e insetos”, conta o proprietário, que também é presidente da Comissão Técnica de Meio Ambiente da FAEP.


Atualmente, a economia com fertilizantes nas pastagens da propriedade de Colombari gira em torno de R$ 5 mil por mês. Com os biodigestores, também são produzidos diariamente cerca de 1,4 megawatt (MW) de energia elétrica, que gera uma economia de R$ 25 mil na conta de luz no final do mês.


Recentemente, o produtor passou a investir na avicultura de corte, sendo que o objetivo é utilizar 100% da cama de aviário nas lavouras de soja e milho da propriedade. A atividade já está no seu quarto lote, com capacidade para 180 mil aves. Com uma produção estimada em 800 toneladas de cama de aviário por ano, a expectativa é economizar R$ 250 mil no gasto com adubação por ano. “Considerando a tonelada de cama em torno de R$ 120 e o atual preço dos fertilizantes, no mês, são gastos R$ 1,5 mil usando NPK contra R$ 600 usando cama de aviário”, relata.


De acordo com o levantamento realizado pelo Sistema FAEP/SENAR-PR, considerando a oferta de nutrientes em cada dejeto e a importação pelo Paraná, o uso da cama de aviário, caso fosse utilizado na sua totalidade, poderia suprir a importação de fósforo. Já o uso de dejetos suíno e bovino na sua totalidade seria capaz de suprir as importações de todos os adubos.


Eficiência


Segundo Volnei Pauletti, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e especialista em produção vegetal e nutrição de plantas, é preciso considerar que, ao utilizar dejetos animais, sólidos ou líquidos, na adubação das lavouras, o tempo para liberação dos nutrientes é maior. “Esse esterco precisa ser mineralizado com atividade biológica para liberar os nutrientes na solução do solo, diferente do adubo mineral, que já passou pelo processo de solubilização”, explica.


Apesar de o processo orgânico ser mais lento, cerca de 50% do potássio e do nitrogênio são liberados no primeiro cultivo após a aplicação, enquanto a outra metade vai sendo liberada ao longo dos próximos dois a três cultivos. A concentração de nutrientes pode variar conforme o estado físico do dejeto, ou seja, quanto mais seco estiver, maior pode ser a quantidade de nutrientes. Dessa forma, a concentração no digestrato é maior do que a contida no dejeto antes da biodigestão.


Outro ponto a ser considerado é que, no uso do esterco animal, os nutrientes são aplicados de forma conjunta. Nesse sentido, a análise do solo e o acompanhamento técnico são fundamentais para fazer a aplicação dos dejetos de acordo com as necessidades do solo e, caso precise, complementar a adubação com os fertilizantes NPK.


“Toda decisão deve ser baseada em análise do solo. Hoje a gente já tem conhecimento para usar esse insumo para melhorar as áreas da propriedade de maneira uniforme”, analisa Pauletti.


Gargalos


Mesmo com um potencial de produção significativo, o uso de dejetos animais ainda esbarra, principalmente, em dificuldades logísticas para a comercialização. O custo do frete rodoviário, baseado no valor do quilômetro rodado, poderia inviabilizar a aquisição destes insumos para regiões mais distantes das granjas e aviários.


Segundo cálculos realizados por Vizioli, do Sistema FAEP/ SENAR-PR, na suinocultura, por exemplo, a distância economicamente viável para transporte seria de 11,8 quilômetros. Nessa conta, foi considerada uma tonelada de dejeto suíno com 3% de matéria seca, o custo de aplicação, o valor do frete por quilômetro e os valores do quilo de cada nutriente em fevereiro de 2022.


Uma solução logística que poderia favorecer o escoamento dos biofertilizantes é a criação de polos industriais para captação de dejetos e geração de energia. Na avaliação de Vizioli, essa alternativa tornaria viável a instalação de uma central de biodigestor, onde pequenos e médios suinocultores concentrariam os dejetos da produção.


A maior dificuldade para transporte seria com os dejetos líquidos, provenientes de suínos e bovinos. Como a concentração de nutrientes é mais baixa nesse estado, a inviabilidade aumenta conforme a distância. “Uma estratégia seria secar o material que sai do biodigestor. Nesse caso, é preciso considerar que há um custo com a energia, mas que poderia ser sanado com o uso do biogás nos secadores”, aponta Vizioli.


A comercialização de cama de aviário é realizada com mais frequência pelos produtores paranaenses, devido ao estado sólido dos dejetos, no entanto, ainda fica restrita às regiões onde estão localizados os maiores polos avícolas do Estado.


Na avaliação de Castro, do Itaú BBA, o tempo de adaptação do solo também deve ser levado em conta ao considerar o uso de dejetos como alternativa aos fertilizantes minerais. No caso, produtores que já fazem uso da técnica, naturalmente terão maior eficiência devido à qualidade de solo construída ao longo dos anos.

TAGS: Jazidas - Bioinsumos




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