Finanças 15-04-2021 | 9:04:00

Holding rural e a organização patrimonial do produtor rural

Por Helder Eduardo Vicentini*
É importante lembrar que alguns aspectos influenciam essa característica, como o fato da legislação brasileira possibilitar que a apuração dos lucros, para fins de tributação, seja efetuada como se o produtor rural fosse uma espécie de pessoa jurídica, podendo escolher se a tributação será realizada pelo regime do lucro real ou do lucro presumido.
Outro fator que leva esse produtor rural a exercer suas atividades em nome da pessoa física, decorre do próprio aspecto cultural. Pois, geralmente a atividade agropecuária se inicia pelos esforços do patriarca e da matriarca, que se embrenham na propriedade e dedicam anos de árduo trabalho em busca de prosperidade, sem que tenham firmado qualquer sociedade com terceiros ou sem que tenham formalizado qualquer pessoa jurídica para tanto.
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As características mencionadas anteriormente são comuns na vida do produtor rural. Porém, quando analisamos a questão sob a ótica do planejamento patrimonial e sucessório, é possível notar que essa concentração de atividades e de patrimônio na pessoa física acaba encarecendo a sucessão patrimonial e dificultando a própria continuidade dos negócios pelos herdeiros.


Percebe-se na prática, que a ausência desse planejamento leva à interrupção das atividades agropecuárias desenvolvidas pelos patriarcas das famílias, fazendo com que os herdeiros vendam todo o patrimônio, ou uma parte significativa dele, seja porque não desenvolveram as habilidades ou a vocação para dar continuidade aos negócios familiares; seja para fazer frente às pesadas despesas que incorrem em um inventário, sobretudo aquelas de cunho tributário; ou seja pelo próprio desentendimento sobre a forma como deve ocorrer a partilha dos bens herdados.


Para a viabilização de um planejamento adequado, deve-se levar em consideração sobretudo o patrimônio familiar, as atividades desenvolvidas pelo produtor rural, e as características da família cujo patrimônio se pretende planejar. A análise específica e detalhada de cada um desses pilares vai permitir adotar a melhor estratégia para o núcleo familiar.
Tratando especificamente da questão patrimonial, é fato que a cada dia as propriedades rurais estão sofrendo uma rápida valorização e a sua transmissão aos herdeiros pode acarretar pesadas despesas tributárias. O ITCMD (Imposto sobre transmissão causa mortis e doação) pode chegar, dependendo do estado onde está localizado o bem, até a 8% do valor do imóvel. Sem o pagamento desse valor não há partilha dos bens e, por vezes, esse pagamento só é possível se a família se desfizer de parte do patrimônio. Some-se a isso outras despesas, como por exemplo, honorários advocatícios, que podem chegar até a 10% do valor dos bens.


Felizmente, percebe-se que já há um movimento por parte do produtor rural, ainda que tímido, no sentido de implementar o planejamento sucessório e patrimonial, sobretudo em razão dos incontáveis benefícios que pode-se propiciar a todo o núcleo familiar, tais como: manutenção da integralidade do patrimônio; continuidade e perpetuidade da atividade agropecuária; agilidade na transferência do patrimônio; redução dos custos de transmissão do patrimônio aos herdeiros; e pacificação ou redução das disputas patrimoniais entre os herdeiros.


Existem diversas estratégias que podem proporcionar os benefícios acima citados, tais como a contratação de seguro de vida ou de planos de previdência privada, a realização de testamentos e a criação de uma holding rural. Sendo que cada uma dessas ferramentas pode acarretar benefícios específicos, sendo possível a adoção de mais de uma delas para um perfeito planejamento sucessório.


Com relação à holding rural, especificamente, trata-se de uma ferramenta pela qual o patrimônio da atividade rural é concentrado em uma pessoa jurídica, que terá como sócios as pessoas de um determinado núcleo familiar e, pela movimentação das quotas sociais são feitos os arranjos necessários para que o patrimônio chegue até os herdeiros de uma forma mais econômica, sobretudo no aspecto tributário.


Mas ainda é importante salientar que a adoção dessa estratégia não impede que o produtor rural continue a usufruir desse patrimônio, pois essa doação pode ser realizada com reserva de usufruto, e ainda restringir que esse patrimônio seja acessado por terceiros através de cláusulas de impenhorabilidade, incomunicabilidade e reversão.
Além disso, a criação de uma holding não impede que as atividades de produção rural continuem a ser realizadas pelas pessoas físicas dos patriarcas. Contratos de parceria, de comodato ou até mesmo de arrendamento, são instrumentos que possibilitam estabelecer uma vinculação direta da holding com a pessoa física do produtor rural, que continuará a exercer suas atividades normalmente. A adoção de uma ou outra modalidade de contrato vai depender de estudos sobre os impactos tributários que sofrerão tanto a pessoa física do produtor quanto a pessoa jurídica da holding rural.


Sendo assim, diante da existência de diversas possibilidades e alternativas para a realização de um planejamento sucessório e patrimonial adequado e em conformidade com a legislação vigente, podemos dizer que dele só serão extraídos benefícios, sejam eles de ordem econômica, de perpetuação da atividade rural, ou de pacificação familiar, tanto para o produtor rural quanto para os seus sucessores.


*Helder Eduardo Vicentini - OAB/PR 24.296- Advogado, sócio fundador do escritório Motta Santos & Vicentini Advocacia Empresarial.

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