Milho
06-04-2021 | 20:35:00
Por: FAEP (Federa
Competição: o que falta para o Brasil alcançar os Estados Unidos no milho?
Brasil é o terceiro maior produtor mundial do cereal, ainda longe do campeão Estados Unidos. Clima, pesquisa, solo e tradição ajudam a entender os motivos
Por: FAEP (Federa
Para se ter ideia da diferença abismal entre as duas potências mundiais, enquanto a produção média nos Estados Unidos ficou em 175 sacas por hectare na safra 2019/20, a média no Brasil fechou em 92 sacas por hectare. Ainda, a produção por lá chegou a quase 346 milhões de toneladas, enquanto os brasileiros colheram 102 milhões de toneladas. Mesmo considerando a área dedicada à cultura, 33 milhões de hectares nos EUA contra 18,5 milhões no Brasil, a diferença impressiona. Inúmeras particularidades explicam os altos índices de produtividade obtidos no país da América do Norte, a começar pela tradição no consumo do cereal aliado à aplicação da ciência no melhoramento genético (ver gráfico nas páginas 20 e 21).
“Nos EUA, usavam-se variedades de polinização aberta até 1930. Depois disso, pesquisas levaram a usar híbridos simples, duplos e triplos. Passou-se rapidamente para produtividades bem maiores no contexto daquele país”, explica o chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Milho e Sorgo, Lauro José Moreira Guimarães. Ainda, é preciso lembrar que há uma forte identificação cultural americana com o cultivo do milho. Os nativos americanos, em especial da América Central, cultivavam o cereal antes da chegada dos europeus. “Os Estados Unidos sempre tiveram incentivos e estímulos para produção e melhora da produtividade. Hoje, eles têm um concurso para eleger qual fazendeiro tem melhor rendimento por área”, cita João Pedro Lopes, analista de inteligência de mercado da StoneX.
O pesquisador da Embrapa enfatiza que a partir da transição de um cultivo menos tecnificado para o uso dos primeiros híbridos, nos anos 1930, o milho cultivado em território norte-americano passou a responder melhor ao uso de tecnologia nas lavouras. Algo que só entraria com força nas plantações brasileiras a partir dos anos 1970. “No Brasil, historicamente, temos o milho associado a uma agricultura de subsistência, de pequenas lavouras cultivadas de forma incipiente em termos de tecnologia e também em termos de sementes”, completa Guimarães.
Clima
Clima e geografia também fazem parte da lista que explica as diferenças de produtividade do Brasil e dos Estados Unidos. Os brasileiros plantam milho, de forma significativa, de Norte a Sul. Já no país norte-americano, existe um polo que concentra a maior parte da produção, chamado Corn Belt (Cinturão do Milho). Assim, a região produtora dos estadunidenses sofre menos variação climática. Além disso, o clima dos EUA tem neve e gelo no inverno, o que contribui para eliminar possíveis pragas e doenças na entressafra. Cenário oposto ao do Brasil, com clima temperado e variações muito intensas, com pragas usando pontes verdes para sobreviver entre as temporadas. “Em Estados de transição como o Paraná, temos condições muito diferentes, às vezes, em menos de 100 quilômetros. Imagine então quando se consideram distâncias continentais como as que existem entre produtores do Rio Grande do Sul e do Maranhão ou Mato Grosso”, analisa Ana Paula Kowalski, do Departamento Técnico e Econômico (DTE) da FAEP.
“No Brasil, por termos clima tropical, os solos são naturalmente mais pobres do que os solos dos EUA. Chove muito, o sol é muito forte e isso causa um fenômeno chamado de intemperismo. Isso faz com que sejam mais pobres em nutrientes e com concentração maior de acidez. O grande Cerrado, por exemplo, que é a maior área de produção de grãos hoje, tem solo ácido. Essas áreas eram difíceis de serem cultivadas sem tecnologia, o que persistiu até a década de 1980. Nos EUA se tem solos mais férteis naturalmente”, compara Guimarães, da Embrapa.
A logística é outro fator que pesa contra o milho brasileiro, ainda mais comparado com os Estados Unidos. A logística por aqui é pouco competitiva (ver mais no gráfico das páginas 20 e 21), com estradas antigas, poucas faixas duplicadas e algumas ainda até mesmo sem pavimentação. As ferrovias são raras e muitas ainda com bitola estreita, um fator limitante para o escoamento. As hidrovias são praticamente inexistentes. Com fretes caros, o chamado “Custo Brasil” tira a competitividade, fazendo, muitas vezes, com que o produtor deixe de investir em tecnologias.
Diversificação
Apesar de ainda estar longe dos Estados Unidos em produção e produtividade, o Brasil é o terceiro maior produtor mundial, atrás também da China (260,1 milhões de toneladas em 2019/20). As mais de 100 milhões de toneladas que os brasileiros colhem são cruciais para movimentar a cadeia de proteínas animais. “A demanda fica mais restrita à ração animal, que é usada internamente ou exportada. Nossa indústria de etanol, que nos Estados Unidos é bem desenvolvida, está num processo de crescimento”, analisa Lopes, da StoneX.
Justamente nesse processo de diversificação do uso do milho que está a aposta para o crescimento em área, produção e produtividade do cereal em terras brasileiras. “No Paraná, a produção já consegue rendimentos melhores. Há espaço para aumentar a área de milho e para o desenvolvimento genético, criação de novas variedades, mais adaptadas ao clima tropical. Então, pode ser que a produção de milho comece a se aproximar mais dos Estados Unidos”, prevê Lopes.
Para Guimarães, da Embrapa, os agricultores que conseguem o feito de, na média, 100 sacas por hectare, mesmo com as diversas intempéries, devem servir de referência. Ainda mais considerando o fato de que 75% das lavouras de milho são cultivadas na segunda safra, ou seja, fora da janela ideal, com maior disponibilidade de chuvas e luminosidade. “Apesar disso, obviamente, temos espaço para crescer bastante em produtividade, principalmente com base em estudos de fertilidade de solo, milho irrigado, controle de pragas adequado por transgenia e outros métodos”, revela.
Pesquisa inclui até plantio antes da colheita
Um dos estudos que a Embrapa Milho e Sorgo vem conduzindo, nos últimos 13 anos, propõe antecipar o plantio da safrinha em algumas semanas, antes mesmo de colher a soja. O Sistema Antecipe é um método de cultivo intercalar que conta com uma semeadora-adubadora capaz de plantar o cereal com a soja ainda na lavoura. Na prática, com a soja em enchimento de grão (estádio R5), é possível semear o milho. Na hora de colher a oleaginosa, a colheitadeira corta uma parte da planta milho, mas são mantidas folhas e raízes, o que faz a planta brotar e seguir seu desenvolvimento normalmente.
Em 2021, a Embrapa Milho e Sorgo, a Embrapa Soja e a Jumil (que desenvolveu uma plantadora possível de ser fabricada em escala) estão fazendo testes em áreas maiores. Até então, a semeadora era um protótipo, com colheita em áreas experimentais. “Sobre resultados, tudo vai depender de clima. Se tiver uma escassez hídrica forte, essas diferenças vão se intensificar. É esperado que se tenha ganhos com essa antecipação”, antevê Lauro Guimarães, chefe adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Milho e Sorgo.
Há outras frentes de pesquisa que podem ampliar produção e produtividade de milho no Brasil. O pesquisador lista elementos como inoculantes com bactérias complementares capazes de estimular o crescimento radicular da planta e aumentar a absorção de fósforo. Há ainda inseticidas biológicos, controle biológico via inimigos naturais, entre outras tantas pesquisas. “Todo esse rol de bioinsumos está transformando a agricultura do Brasil. Estamos demonstrando que se pode produzir muito, com eficiência e de forma sustentável”, defende o pesquisador da Embrapa.
O Brasil é o celeiro do mundo. Isso nunca foi tão evidente quanto neste cenário de pandemia. O país tem garantido o abastecimento interno e de diversas nações. No caso do milho, isso não é diferente. Em 2020, o Brasil exportou o cereal para 90 países, mesmo consumindo internamente cerca de 67% de sua produção. Dentre os três principais produtores mundiais de milho, o Brasil foi de longe o que mais aumentou sua participação nas exportações mundiais, de 8,4 milhões de toneladas na safra 2010/11 para 35,5 milhões na temporada 2019/20, 322% de aumento de acordo com dados do USDA.
Isso só foi possível graças ao crescimento em área e produtividade, na ordem de 75% em ambos os casos. Cabe destacar que a área que mais cresceu foi a de 2ª safra, cultivado da metade do verão até final do outono e que a partir da safra 2011/2012 passou a ser predominante no país. O milho é uma das culturas mais plurais, sendo base para produtos utilizados na indústria química, alimentícia, bebidas, fermentação e especialmente ração. Para atender essa demanda, o aumento do nível tecnológico a campo tem sido fundamental, especialmente para uma produção concentrada na 2ª safra, que possui maior risco que a 1ª safra.
O melhoramento de sementes, manejo e adubação do solo, manejo de pragas e doenças estão em constante evolução, mas sempre surgem desafios a superar, além das adversidades climáticas que são de difícil controle. Uma das principais pragas atualmente, a cigarrinha do milho, e o complexo de enfezamentos, vêm causando perdas expressivas para a cultura e não há medida curativa ou que de forma isolada tenha resultado efetivo. O manejo de plantas daninhas resistentes, especialmente ao glifosato, e colheitas mais eficientes também são pontos de atenção para alcançar melhores produtividades.