Estimativas da FAO apontam para a necessidade de aumentar a produção de alimentos em 50%, a fim de atender a demanda mundial em 2050. Nesse contexto, toda a contribuição para atender o consumo global passa a ser importante. E uma delas é a redução do desperdício de alimentos para os valores mínimos, que sejam tecnicamente possíveis. Um estudo realizado pelo Instituto de Engenharia Mecânica do Reino Unido apontou que cerca de 30-50% do total de alimentos produzidos no mundo pode ser perdido ao longo da cadeia, entre as lavouras e os estômagos humanos. Esses números se tornam ainda mais inaceitáveis quando a FAO nos informa que, em 2021, cerca de 828 milhões de pessoas no mundo foram atingidas pela fome.
Parte da responsabilidade pelas perdas situa-se nos elos iniciais da cadeia, envolvendo produção, armazenamento, transporte e processamento dos produtos agrícolas. O valor estimado para perdas nessa etapa é de 15%. Entre 2000 e 2020, a produção global dos cinco principais grãos (arroz, trigo, milho, soja e cevada) cresceu 50%, sendo o Brasil o principal responsável, com um incremento de 109% na produção, de acordo com a Conab. Como o referencial de perdas é um valor percentual, conforme aumenta a produção agrícola, as perdas crescem na mesma proporção.
Técnicos da Conab debruçaram-se sobre o tema da perda de grãos na etapa inicial das cadeias dos cinco principais grãos, obtendo os resultados apresentados a seguir.
Perdas globais
A produção mundial somada de arroz, cevada, milho, soja e trigo, em 2020, foi de 3,05 Gt. Com base nesse número, os autores projetaram uma perda de 458,1 Mt, o que equivale a duas vezes a produção brasileira. Considerando as cotações médias de mercado de março de 2022, para cada produto, as perdas ascenderam a US$176,1 bilhões. Esse valor é superior à soma do PIB de mais da metade dos países da América Latina e Caribe.
Em termos de conteúdo calórico, as perdas de grãos atingem 1.600 trilhões de kcal, o que permitiria atender a demanda energética de 120% da população mundial afetada por deficiência nutricional, de acordo com a estimativa da FAO.
Perdas no Brasil
Em 2020, a Conab estima a produção brasileira dos cinco principais grãos em 244,8 milhões de toneladas. Utilizando-se o mesmo índice acima (15%), o montante de perdas é estimado em 36,7 Mt. De acordo com a cotação dos produtos em 21-25/03/2022, a estimativa dos técnicos da Conab é de perdas equivalentes a R$84,8 bilhões. Em termos de energia contida nos alimentos, o valor ascende a 139,3 trilhões de kcal, o que atenderia a demanda energética de oito vezes a população considerada nutricionalmente vulnerável no Brasil.
Outro cálculo efetuado pelos técnicos da Conab foi a conversão do valor das perdas (R$84,8 bilhões) em cestas básicas, o que permitiria adquirir 134,8 milhões delas. Sendo essas dimensionadas para suprir a necessidade de um trabalhador adulto, durante 30 dias, seria possível alimentar 11,2 milhões de pessoas por ano, ou quase 60% dos brasileiros que enfrentaram a fome no ano de 2020, conforme estimativas do Governo Federal.
Os números acima convidam para uma reflexão de produtores, agrônomos, lideranças setoriais, formuladores de políticas públicas, autoridades governamentais, e de todos os brasileiros. O foco deve ser a redução da maior quantidade possível de perdas de alimentos, no menor prazo de tempo possível, para fazer frente à demanda de alimentos do mundo, de forma cada vez mais sustentável.
*O autor éEngenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja e membro do Conselho Científico Agro Sustentável